Naqueles dias que se antecipavam ao retorno... cada uma ao seu modo, procurava o que fazer.
Como assim, cada uma ao seu modo?
É que, quando o que não tem mais jeito se instaura, não há o que fazer mesmo!
Talvez chorar, seja uma saída...! Mas sabemos, que uma hora as lágrimas secarão!
Então, não vamos ter lágrimas para chorar... e, ai o irremediado acontece. Naquela manhã às cinco horas, ainda com o sol dormindo o jeep parava na porta.
Era Sinval, que embora gostássemos dele, naquele dia especialmente, desejamos(eu, Nita, Luiz e Cristina principalmente) que ele morresse!
E, como algumas coisas já tinham ido antes, não tinhamos muita coisa de fato.
Exceto as lembranças... e uma saudade antecipada, com a certeza de que talvez não retornássemos mais!
Olhei para a casa de meu avô, e o vi, aspirando rapé, e colocando a caixinha no bolso, (com ar de preocupação)seu olhar fitava algo, longe dali... e a cabeça balançava, de um lado para outro!
Aquele homem, era um visionário, e na noite anterior passara, na casa grande, para tentar persuadir a filha, a desistir da idéia de voltar para o Rio de Janeiro.
Aquela época, (início dos anos 70), dizia ele, vai haver outro golpe militar, e as coisas novamente ficarão dificeis, você vai ver!
Falava como se fosse um mago, e com a lábia de um repórter.
Eu o respeitava, porque não achava que houvesse outra pessoa mais inteligente do que ele , naquelas bandas, o mais próximo, era meu padrinho Theodomiro Magalhães, que era o doutor farmacêutico da cidade, e sabia muito de fórmulas.
Mas meu avô, sabia da vida, das coisas que ainda não haviam acontecido, e como seriam! por isso, o meu respeito e total admiração.
Eu, por mim, se deixassem ficaria ali mesmo, até porque não imaginava que a vida seria mais feliz longe dali.
Muito tempo depois li : Pasárgada, e achei que o Manuel Bandeira, tinha feito aqueles versos, ali mesmo, em Paratinga!!
Pensei que Pasárgada apenas tinha errado(trocado) o nome por que Paratinga do Urubu, era muito feio!! kkk
*

* (essa cena, é muito semelhante à minha casa, em frente à Praça XV de Novembro, Paratinga/Ba)
Afinal, não queria ir, porque conhecia muitas meninas, e meninos, podia brincar na rua até altas horas...e ninguém me fazia bullyng, eu era amiga de todos: negros, ruivos, sararás-crioulos, ciganos, cafuzos... feios e bonitos... altos e magros, gordinhos... ricos e mais ou menos, incluindo pobres!
Todo mundo falava comigo, e ganhava as mais deliciosas bolachas de peta quando passava pelas casas, e sentia o cheiro da tapioca quente.
Lá não havia trancas fortes nas portas, eram de madeira mesmo, (taramelas) e, facilmente, conseguíamos abrir, empurrando, quando não, nem havia necessidade desse trabalho, pois as portas ficavam abertas a qualquer hora do dia, e era só dizer: Oh de casa, e ouvir de lá de dentro, entra, e o nosso nome era chamado...
Como tinham tanta memória, até hoje não me perguntem. Me lembro de uma senhorinha cega, que pelo cheiro da gente dizia quem entrara em sua casa!!
Oh mama, eu achava que ela, não era cega nada, mas testei um dia com uma ponta de graveto na direção dos seus olhos e ela nem piscou... Puts... criança é um bicho doido!!
Sem deixar de falar do meu tio Miguel, que era como um irmão mais velho e gaiato. Esse cedo, ainda escuro... rumou para a ilha, que era pra não ver ninguém sair embora!
A minha ilha!
Mãe não posso ir... meus amigos estão lá...eles vão perguntar cadê eu!
Que ilha você tem, deixa de ser louca...que levar umas chicotadas?
Ai eu e a Nita emburravamos a cara, por que eu levar chicotes, se era ela quem estava fazendo a burrada?
As decisões de uma casa, deveriam ser tomadas em grupo!
Não se pode decidir por todos...
Bem pensava assim quando ainda tinha 8 pra 9 anos.
E, anos mais tarde, continuava a pensar assim, quando meu esposo decidiu, sozinho, ir trabalhar no Japão! e deixar eu e o filho aqui no Brasil!!!
Bom, me lembro que não decidi nada, fui apenas informada, com um convite tempos depois, de ir também, porém deixando a criança por aqui, com parentes! absurda essa ideia ... estapafurdia (bizarra)!!.
Mas um adentro: Como as histórias de infância se repetem, quando já crescidos, temos que encarar a nossa vida.
Por isso o resgate da criança lá na estrada: É tão importante, por que a minha criança despertou, e, nos nós refizemos na lembrança e no amor!
E, voltamos para onde seria o melhor a se fazer: Não foi.
Em vários aspectos, que talvez um dia consiga descrever em minúcias! Mas, definitivamente: Não foi mesmo! infelizmente.
E, pela janela do Jeep, tentei ver todas as casa, quando o sol com seus primeiros raios, surgiu, lá na várzea, dando-nos um adeus...
Voltei outras vezes, mas nada era mais como antes.
O retorno a algo, ou a alguma situação, quase sempre é uma catástrofe!
As alegrias deixamos no passado... e, recuperar o tempo perdido, pra mim, é a frase mais desconexa, e estranha, que alguém pode proferir.
Salvo em raríssimos casos. Voltei lá, e a cidade tinha outra cara.
A Praça XV de Novembro mudou, radicalmente.
A casa do meu avô foi desfeita e refeita, anos depois.
O coreto acho que sumiu...
A várzea perdeu suas terras, e se eu fosse até a Ilha, lá do outro lado, a minha oncinha me comeria (ou não), talvez ela me reconhecesse como fez quando fui sequestrada, pela bruxa maluca!
Enfim: Nada mais, era igual, como era antes.
De igual apenas o que foi fotografado.
Somente nas fotografias somos iguais. No mais, nada mais!
Vou-me Embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tiveE como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra PasárgadaEm Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorarE quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90
*(Achei essa pintura na Internet- muito semelhante à casa que morei).
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