Quando tudo parece ser o "País das Maravilhas "!!!
Me recordo que onde morava nessa idade (interior da Bahia , mais precisamente em Paratinga).. na minha imaginação aquilo lá era um pedacinho do Paraíso ... Hoje posso dizer que tive infância ( e como sou grata por isso ).
Atravessavamos o Rio São Francisco e ouvíamos no percurso histórias de navios piratas e de tesouros...
Corríamos das boiadas... e roubavamos mangas .. milhos ... tangerinas nas plantações alheias...
Fazíamos esconderijos secretos e achavamos que haviamos chegado`a Grécia ... Himalaia... e outros lugares que os mais velhos (na faixa dos 12 / 13 anos ) nos diziam porque não tínhamos ali nem noção de que aqueles lugares existiam e simplesmente simpatizavamos com os nomes .... e dizíamos ter chegado lá.
Os mais velhos eram os pajés ... sábios e indestrutíveis...
Fantasmas rondavam nossos leitos quando tínhamos febre alta...e os ratos do telhado os "fuça-fuça" quando caminhavam a noite pareciam um exército de cavalaria acima de nossas cabeças... vez por outra um despencava lá de cima em alguma cama , para nosso desespero e deleite de algum menino malvado que provocará o desastre!!!
Aliás eramos o alvo deles... pois como meninas tínhamos que sermos boazinhas.. educadas ... atenciosas ... prendadas, tal eram nossas avós... Ser moderna e prá frente era para as meninas más...
Quando tinha festa na cidade era convidada para subir ao palanque da pracinha e cantar alguma melodia dos Beatles.. ou Rita Pavone... Elza Soares... Os Fevers... etc... e tudo acompanhado da coreografia exaustivamente ensaiada e da torcida organizada (primos e primas mais velhas ) que gritava a todo vapor : Já ganhou ... Já ganhou ...
O que ao final ganhava-se dois pirulitos e uma Maria mole !!!
Como tudo era permitido ( menos beijar na boca ) ... a diversão era constante e por vezes algumas surras também... quando se deixava seduzir por alguma promessa e montavámos num cavalo de algum moço a sair passeando...pela varzea ...
Mas nada que um olhar atento não nos repreendessemos... e na volta o chicote nos aguardava. Mas era um chicote fino e as lambadas não doiam lá essas coisas... Mas sempre o choro durava uma noite...
Essa casa da infância tinha 14 cômodos e anteriormente fora uma casa de padres.
Por essa razão diziam na cidade que a noite os já falecidos caminhavam pela casa ... o que fazia com todos urinassem nas camas com medo de ir ao banheiro , que no caso ficava há uns 300 passos do quarto de dormir... ou seja lá no fundo do quintal... Como tínhamos o "pinico" que ficava embaixo da cama era ele quem nos salvava de ter que andar na escuridão para ir ao banheiro .. até porque no caminho além dos "fantasmas " haviam os ratos e as cobras que frequentemente invadia, a casa ao anoitecer quando esqueciamos as portas abertas...
As aventuras da travessia do velho Chico , eram sempre acompanhadas de muito temor: principalmente da canoa virar e sermos mortos pelas vorazes piranhas que havia no rio... e estavam secas de fome aguardando um boi ou pessoa menos desavisada que fosse se banhar nas áreas mais fundas ou que sofressem acidentes com o barco.
Várias pessoas tinham histórias para contar do rio... além de prováveis jacarés que os pescadores diziam existir no local...e já ter levado inúmeros rapazes e homens... deixando as namoradas e viúvas solteiras o resto da vida !! e fazendo-as irem todas as tardinhas as margens para esperá-los até que morriam loucas ...
As festas eram constantes... Folia de reis ... Carnaval... Juninas ... Entrudo ... Mula sem cabeça e saci pererê... e outras tantas ... que a memória tira de nós ... mas sabe-se que no Interior tem festa pra tudo... Desfile de 7 de setembro... Comemoração da Filarmônica local.. etc...
Nossa família apesar de na época ser numerosa estava meio espalhada aqui e acolá.. O que nos causava imensa alegria quando em férias ou casamentos se reuniam.. Ai tinha direito a Guerra de travesseiros e gato ao ar... Coitadinho dos bichanos sempre criavam asas e eram arremessados nas costas de um .. O que causava impacto e dor... com as escoriações de praxe e as chicotadas usuais... Quem foi ??
Silêncio mortal...Última vez vou perguntar : Quem jogou o gato no alto ? e arranhou as costas do Luiz ?? Ninguém se manifestava e ai o castigo era geral... Uma semana sem ver a rua a não ser para ir a escola...
Podia inclui-la também no castigo !!! Ufa ... Até que alguém resolvesse confessar ou ocorresse algum evento como uma
Festa na cidade - porque tínhamos que ajudar a enfeitar a igreja de Santo Antônio... lava-la e ornamentá-la para a chegada dos romeiros daqui e dos arredores... que vinham com dinheiro pra comprar o que vissem..
Só que alguns eram ciganos e roubavam crianças pra fazer sabão...... ou vender pra Europa.... O que nos deixavam sempre assustados e temerosos... com a possibilidade do rapto (exceto meu irmão ) que sempre fazia amizade com o bando e desejava ser um deles.. só para sair rodando o mundo !! Garoto esquisito ... quer ser cigano .... eu heim ?
Joanita : Pra onde vão os ciganos depois ??
Sei lá Licinha ... nunca fui com eles !
Mas Nita pra onde se acha que vão ?? Heim ???
Joanita: Como é que eu vou saber ??
Nita : Vai lá e pergunta ! Ora !!?
Ha Licinha tenho mais o que fazer ...
E a pergunta ficava no ar...
O que o mano respondia quando a curiosidade já não cabia mais na garganta:
Eles vão pra Rússia claro !! Sua burra !!!
Mas e a Rússia é pra que lado ??? e ai o interrogatório se estendia até que ele se cansasse de tanta pergunta...
Vez ou outra os padres vinham se hospedar por lá...
Eles eram europeus na maioria e lindos!!! Olhos azuis ... altos e louros.. pareciam deuses...
E ai ficávamos apaixonadas... nós mulherzinhas e todas as demais mulheres da cidade:
Pretas .. pobres ... louras ... morenas ... ricas ou analfabetas... : mulher de médico ... de prefeito ... de pescador... de açougueiro etc... e de vez em quando nascia depois de 9 meses os filhos que as mães diziam ser do "padre"". ou nunca confessavam de quem era... o que as faziam com que fossem excluídas da sociedade baiana por ter gerado um bastardo - que no futuro seria um Lobisomem !!!
E as histórias só cresciam: Do Saci Pererê .. da Mula sem cabeça ... do Sucupira ... do Lobisomem...o que eram contadas no início da noite na porta da rua , quando as senhoras colocavam as cadeiras e a meninada ouriçada vinham e
sentavam-se em volta para ouvir e se arrepiar... de medo...
Todo mundo se cumprimentava ... Os primeiros beijos eram sempre roubados e no fundo do quintal ou na margem do rio... por uma ou outra vez eram no meio da noite quando ninguém estivesse olhando... e com pessoas do círculo às vezes familiar... ou muito próximo ...
Já estavámos beirando os 12/13 anos e era tarefa de algum menino roubar um beijo- O que poderíamos contar para alguma amiga ou não - dependeria!!!
As roupas da época: Sempre bem alvas (lavadas nas pedras do rio) com sabão caseiro... feito de mamona... ou jaborandi ... e faziam pouca espuma até que surgiram os sabões industrializados...
A minha mãe era moderna : Viúva de dois ... Tivera três filhos.... Dois homens e uma mulherzinha...
Viajava sempre pra Brasília (até hoje eu não descobri o que ia fazer por lá...) acho que ela tinha um
namorado no Planalto Central do país... Mas dizia que não podia se casar porque tinha uma mulherzinha em casa ... e os homens poderiam abusar dela...!!!
Ora bolas : E os dois meninos que tinha lá? Por acaso também não poderiam ser um impecilho ??Não dizia ela... e coisas tipo : Antes fossem todos homens... seria melhor...
O que fazia com que Alicinha fosse pro quarto chorar na cama .. que era lugar quente.. Até que meu anjinho da guarda lindo Joanita - fosse lá me consolar... O que também não podia porque atrasaria o almoço do meio dia...
Na hora do sol escaldante - a cidade parava ?!
Literalmente pra só lá por volta das três da tarde... reiniciar sua vida ... Todos dormiam na cidade...
Do professor ao padre - do leiteiro ao padeiro ... até meu padrinho que era o único farmacêutico e parteiro da cidade !! tirava a cesta do meio dia... e se dizia que nessas horas era que a população era chamada. Acontecia o retorno à terra - encarnavam-se !!! risos ....
Meu avô - o sr Laudelino - negritinho atrevido e esperto - desde pequeno - era beato!!!
Digo muito religioso - e entendia como poucos das leituras evangélicas e de Deus ... Acompanhava os padres pelos brejos .. a rezar nas festas ... nascimentos ... casamentos e encomendas de defunto - óbitos ...
Ele montava seu cavalo - e ia na frente abrindo caminho para a comitiva papal...como uma tareja importante e invejada na época... Iam conversando e ele sabia falar latim - embora nem sempre entendesse o que estava falando - mas repetia tudinho igual aos padres faziam nas missas... Sabia também : Italiano ... polonês ... tudo de ouvido... e por isso se diziam que era um preto de alma branca...
A mãe sempre ficara orgulhosa de seus feitos - pois fora negra dos troncos - até que um branco quis ela.. e a comprou por 2 mil reis...
Se chamava Henriqueta e sabia tocar instrumentos de corda!!! tendo aprendido a ler com as senhorinhas ... e a bordar como uma máquina- que só seria inventada no século seguinte...
A noite entoavam ladainhas religiosas e rezavam o terço... por várias horas e com a mesmas estrofes... o que faziam o restante da igreja cochilar nos bancos....
Assim vivi ... Assim cresci ... Acreditando em príncepes... em piratas ... em mulas-sem- cabeça e sacis-pererês...
Achava que se fizesse um buraco lá no fundo do quintal ia sair no Japão ou no Egito... Afinal não entendia bulhufas de mapas e os dois países eram pertinhos na gravura que olhava de cabeça pra baixo - porque ainda não sabia ler !!!
Dona Dina - tinha um bar e armazém e apreciava a arte da venda.... Se gabava por saber "nigociar" e sempre levar lucro : Pois comprava algo por $5.000 e vendia por $15.000...Viajava sempre a Salvador ... Rio de Janeiro e Brasília , mas sempre só - mesmo que eu chorasse e implorasse para vir junto sempre ouvia um sonoro: Não !!!! quem vinha era o mais velho e preferido - O que iria seguir os passos do avô paterno e ser um General da Brigada Naval !!!
Assim era a vida por aquelas bandas... Lembro-me quando aprendi a ler que comecei com Jorge Amado por retratar aquele cotidiano tão familiar e humilde... recordo também da gente velha - dos troncos- que possuíam uma cultura e um folclore riquissimo...e das inúmeras lendas ouvidas e passadas por gerações...
Recordo que em casa tinhamos uma velha avó - que apesar de ser surda e muda resmungava e ralhava com todos ... VÓ ANA RODRIGUES - que DEUS a Ilumine...e a todos àqueles seres que fizeram parte do meu viver naqueles dias ...
Rio de janeiro - baruchess@gmail.com
Amooore,
ResponderExcluirNossa que nostalgia gostosa...adorei!
Você escreve cada dia melhor.
E eu te gosto mais a cada dia....!
Besos mi amor e venga luego...
te quero mucho!
Juaquin Dedios!
Estava a sentir falta de suas postagens.
ResponderExcluirA cada linha que percorria os olhos,sentia o coração apertar com a saudade dos inocentes momentos da infância,onde de pouco precisávamos para sentir a alegria plena.
Ao relatar sua infância,muito conhecemos de uma pessoa...
Beijos querida!
Nátaly Ramos