Paratinga - Ano 1968
O dia da mudança estava se aproximando!
E sempre se pegava uma choramingo a noite... olhos esbugalhados... o sono indo embora.
Nem eu ... nem Nita .. nem a megera da Cristina queriamos ir embora dali. !!!
Pensava eu com minha parca idade e pouco raciocínio ( ou melhor dizendo: meu raciocínio infantil) Porque temos que ir embora daqui ?
Se aqui tem tudo o que precisamos: Rio ... peixes ... terra fértil ... fartura... escola ... amigos (ah esses principalmente - os nossos amigos!!!) Soneide ... Lucineide ... Gelson ... Jovenina ... Madrinha Honorina e Nina ... Miroca ... iolanda ... tio Miguel ... tia Rosa ... Meu avô - meu ídolo... e que certamente choraria no dia da partida ... Elza ... meu amigo Noca que era quem me colocava nos lugares mais altos só pra ver o Bumba-meu- boi, seu Gregorio, pai do Noca - que constava as histórias mais bonitas que mais ninguem sabia contar... vó Ana - amada , e meiga como a flor do algodoeiro... Angélica ... os Carinhanhas ...Maestro Nininho... Pe. Vitor, Pe Theodoro, enfim , são tantos nomes que no momento a memória flue presa a outros fatos , e torno-me esquecida de alguns deles...nomes não são pessoas.
E pessoas se guardam no coração por longas datas!!!
Meus bichos... minha jumentinha e minha Pastora Lessie... meu gato de botas ...
Minha casa, que era a extensão do paraíso, e embora de fato não fosse minha eu a tornara de posse:
Tomara posse em nome do rei de Portugal!!! como Amaury sempre dizia.
E como deixar aquele lugar em que me sentira protegida e resguardada dos perigos mundanos?
Exércitos nos protegiam... cercavam a casa dia e noite :
São Miguel Arcanjo ... Nossa Sra de aparecida ... São Thomas de Aquino... Santo expedito ...Santo Antonio do Urubu... os Anjos e suas potestades... os seres intergalácticos também serviam de escudo invisível dia e noite, como vêem não havia perigo algum!
E, até os morcegos, que meu irmão dizia que eram vampiros
- Não me atemorrizavam mais!!!
Eu queria ficar por ali - a minha eternidade!!!
Dizia-se que no Rio de janeiro, havia os melhores colégios ( mas que importância tinha isso )- eu queria mesmo estudar com minhas colegas na Grupo Escolar Manoel Novaes - Escola Pública, em que haviam passado os músicos da filarmônica, e de vez em quando recebia a visita do governador da Bahia, os Magalhães que vinham a ser contra parentes de meu padrinho Seu Magalhães, o homem mais inteligente das redondezas, e, que fazia o parto da cidade quase toda.
E, eu claro que tinha curiosidade em ver um parto - e sempre o pedia que me levasse , mas que nunca era atendida!!!
Espera , dizia ele : Tudo tem a sua hora!!!
Mas, agora com certeza, a hora iria passar por entre meus dedos...
Meu padrinho e eu tinhamos uma cumplicidade calada: Ele fazia os licores mais deliciosos que já havia tomado, e me levava escondido na sua garrafinha de viagem revestidade couraça de onça...(que os ambientalistas não me crivem!),
mas o animal já estava morto quando ele chegou perto, e os
urubus chegando junto - meu padrinho afastou-os e tirou cuidadosamente seu couro, fez um tapete e cobriu com um pedaço que não conseguira tirar inteiro a tal garrafinha , que segundo ele já tinha uns 50 anos!!! ele ainda era rapazola!
Portanto, desculpado estava de fato ; segundo os filhos ele morria mas não daria um tiro num animal que fosse!!
Era homem voltado para a vida e iluminado (diziam ainda dele que era maçom) e eu como sempre curiosa perguntava a meu irmão :
Amaury: O que é ser maçom?
Ele: Isso é um segredo!
Eu: Mas como segredo , se meu padrinho é um deles?
Ele : Então vai perguntar a ele!
E é claro que eu não podia fazer isso - Como poderia admitir que não soubesse o que era ser um maçon ?
Nita : O que é ser maçom?
Sei lá - cruz credo, Pé de pato...bangalô três vezes...
Dizem que é coisa do "bicho ruim".
Mentira da oposição!!!
Meu padrinho não podia estar envolvido com "coisa ruim".
Eu achava-o o próprio Dartagnain... ou um cavalheiro da Távola redonda... sempre que abria o Livro e via a figura do Rei Arthur, e de sua távola... Cria piamente que aquele ali era meu padrinho...
De maneira geral... na Bahia se pratica o sincretismo religioso, frequenta-se a Igreja Católica, mas estuda-se o Evangelho de Kardec, e outros ... e para nós isso era muito normal.
Embora meu avô repetisse que não se deve adorar a "dois senhores"... e essa frase eu carreguei na minha vida para outras situações:
Jamais conseguiria pertencer a dois homens ao mesmo tempo... pratico a fidelidade , ainda que o relacionamento esteja ruindo! e, saio quando está de uma maneira insuportável!!!e não consigo mais ser feliz ao lado da pessoa.
"Se não é pra ser feliz, pra que viver ?".
Não tem carrão prateado, ou importado, que me faça permanecer num relacionamento já ruinoso!
Aliás - estou devendo uma história de reencontro cármico( próxima postagem).
Mas, retornando ao dia factídico... Os baús estavam entulhados... nossos poucos pertences, que juntos agora pareciam uma montanha... meus brinquedos dentre eles a minha boneca Rita Pavone...outra da Alemanha que minha tia Rose havia mandado...que era de porcelana e por isso , não poderia brincar com as minhas amigas pra não quebrar...
Que que adiantava ter brinquedos caro, se não se podia brincar com eles???, e nem mostrar as outras crianças?
Por isso que quando adulta e já mãe de família, deixava meu filho brincar com tudo o que era dele!!!...e até emprestar, desde que fosse para um bom amigo!!
Juntavamos tudo naquela época em baús... Até pensei que um dia acharia um baú!
Usaria-o para por minhas lembranças ... meus pertences mais finos... e com certeza o traria trancado a chaves... porque a individualidade de cada um é coisa pra ser respeitada, seja ela o que for... um simples pedaço de papel amarelado ou uma agenda de ano anterior ! ... email então - segredo de estado, tipo ser maçon!! (risos ...) . desculpe-me se estou meio que chorosa... e saudosista...mas lembranças do nosso passado, com diz minha amiga Natály - é coisa pra ser apreciada pelos amigos, e denota-se sutileza quem as expõe!!!
O nosso passado - trilha por onde anda o nosso coração - e deve por isso mesmo ser respeitado por aqueles que por ventura estejam a conviver conosco!
Minha mãe era a mais resoluta de todos , até o pentelho do Amaury - olhava-nos ressabiado - com cara de quem furou os olhos do passarinho de estimação.
E, a sua fiel escudera Cristina , já há dias não lhe dirigia palavra alguma... principalmente, porque iria ter de deixar o namorado olhando-a, ir embora sem poder fazer lá o que fosse...
Diziam as fofoqueiras do plantão - que ela se entregara a ele, antes de ir embora! , mas isso não era assunto que eu pudesse perguntar... embora a mim não me parecesse ter muita lógica:
Entregar como assim? ... se, tudo estaria de volta depois?
rsss...
Certas coisas, às vezes no mundo dos adultos - são tão sem lógica - pensava cá, abraçada a Rita Pavone, minha boneca que só me fitava com seus olhos azuis!!!, sem dizer chongas nenhuma, uma lágrima rolando no canto dos olhos.
Lembro-me, vivamente da figura do meu avô, vindo na direção da nossa casa - resoluto ... terno branco de linho (nem parecia um carpinteiro), passadas fortes, a vir tentar convencer a filha viúva de dois maridos- a não voltar pro /
Rio de janeiro naquele momento , pós golpe Militar, e ainda uma cidade devastada pela corrupção, e malvadeza dos homens do poder!!!
Sim , isso mesmo, meu avô tinha opinião própria e escutava os comentários dos seus doutor - dos padres , nas rodas em que frequentava... nas viagens longas a outros municípios e nas mesas em que se sentava com o governador e prefeito, sempre estivera muito atento as conversas travadas, e, vez por outra, dava palpites e opiniões certeiras - predizendo o futuro da cidade e da nação, com uma margem bem grande de acerto!!! falava como seria o próximo mandato de algum político e os erros que este ou aquele cometeriam... depois quando a coisa acontecia ele dava doces gargalhadas e dizia : Num te disse? Quia quia quiaaaaa... era muito debochado o negro!
Mas, eis que chega em casa ao sol das 13 hs... olhando por cima das malas... eu corri e o abracei , fazendo o mesmo meu irmãozinho Luiz carlos, com um olhar triste próprio de quem tem down e quase choramingando.
- É isso que você quer pra essas crianças?
- Eu quero o melhor pra elas , dizia com tom áspero a filha.
- E o melhor é na cidade grande, sem marido pra te proteger , e ajudar a criar os meninos? e Juanita?
- Não preciso de homem pra nada ... sei me virar sózinha!
- Sabe se virar? Mau e porcamente!!
- Quem vai respeitar uma mulher na cidade grande? e só?
- Aqui sim!!! é diferente! tem eu , seus irmãos, nossos parentes ... seu negócio ... paz e sossego!!!
- E quem disse que eu gosto de sossego? Isso aqui é o fim do mundo! Não foi à toa que saí aos 19 anos pra Salvador e de lá pro Rio de janeiro pra progredir. Se não, estaria casada com um vaqueiro analfabeto e ignorante - como o senhor queria !
- Poderia até ser analfabeto, mas seria honrado e digno como homem!!!e , não te deixaria solta!!
- Eu que a tudo ouvia com atenção , dava razão plena , e absoluta ao meu avô, em meu tribunal a questão era causa ganha pra ele "data venia" - oranos o probio ainda que libertas que sera tamem!!!"
- Eu não via o feminismo com muito bons olhos, até porque os anos da década de sessenta, eram comentados como um período de libertinagem , de sodoma e gomorra, pelos mais velhos. E, ainda por cima tinha medo do juízo final.
Afinal, os que temem são poupados - o mar quer àqueles que sabem nadar - porque são destemidos!
Como o clima tava esquentando - Nita sabiamente nos tirava da sala... e, com a desculpa que tinha panela queimando nos arrastava pra cozinha.
- Nita - se viu só a cara de Lodó?
- Vi sim, e fiquei com medo dele passar mau...
- Mas num é que o velho tá coberto de razão? dizia Cristina que tinha outros interesses na questão.. sabe lá como num tá essa tal de Rio de janeiro? ouvi na Rádio que tão passando é fome por lá... que as pessoas tem o dinheiro, mas naum tem onde comprar, e que muitos armazéns foram saqueados...
- Nita: O que é saqueados?
- Roubados Alicinha. As pessoas tão passando fome, e roubando as casas e os armazéns!
- Matando na rua, completava a irmã...
- Nesse momento me caiu a ficha! Não vou pra lá... e entrei na sala aos berros ...
- Não vou deixar Paratinga de jeito nenhum!! agarrando nas pernas do meu avô!
- O que provocou a ira da Dona Dina - que me tirou com um puxão só - pegando no meu braço e mandando Joanita me levar de castigo pro quarto de dormir!
- Não mãe : Tranca ela no quarto escuro do porão... dizia o mais velho... Ao que Joanita me segurou no colo e me acalmou.
- Tranca é você!!!
- E o baixo astral se instalou no recinto.
- Meu avô , agora quase passando mal, foi embora, sem olhar pra trás : Depois num diz que eu não avisei!!!
E, após aquele tempo pai e filha ficaram estremecidos, mas não fez a mãe mudar de opinião, depois de uns dias, entramos no jeep de Sinval, rumo a Bom jesus da Lapa, e de lá para o Rio de janeiro.
Tristeza e desolação era o que nossas faces mostravam a quem viveu e viu!!!
Postado por: baruchess@gmail.com
Vivendo e sendo feliz... sem interesses ou segundas intenções , vivendo pelo Amor altruísta, pelo amor Ágape.
Tendo como confidente a fë , que remove montanhas.
P.S: Obrigada pela presença.
The End.
Belas lembranças e surpreendente analogia...
ResponderExcluirQue você encontre sempre a tão almejada felicidade,minha querida!
Beijos!!
Nátaly
Bela!!!
ResponderExcluirComo é revigorante ler seus comentários.
Vou fazer a postagem, sobre o reencontro!
Não tem nada a ver com carrão prateado conforme estão julgando! rss.. que visão pequenina e sem razão de ser! rsss...
Tenha uma semana de graça plena! bjsss
Meu anjo,
ResponderExcluirAguardo a postagem sobre o reencontro! Quero aprecia-la e compreender o que se passa em seu coração...
Vemos os nossos valores normalmente refletidos no outro... compreendamos.
Se acredita,siga firme! E seja feliz!!
Beijos,
Nátaly