Vivia lá pelos cantãos de Paratinga, um certo enigmático negro... arredio, fugitivo de um quilombo no lombo de um burro com sua mãe, e um grupo de também outros fugitivos, mais ou menos uns quarenta homens e por volta de vinte mulheres, mais um monte de crianças, viajavam a noite para não criarem furdunço, e de dia ficavam escondidos dentro das grutas junto com os morcegos.
Eles eram praticamente os últimos remanescentes escravos, e não pretendiam viver nessa situação o resto de suas sofridas vidas, assim os mais velhos resolveram que naquela noite, roubariam seus senhores, matariam os capatazes mor, incendiariam a casa grande e a senzala, e tudo o que pudessem levariam com eles, mas não se tratava de um roubo, estavam apenas descontando tudo o que seus antepassados sofreram, ao serem arrancados de suas tribos, e forçados a trabalharem como escravos, em outros países...e, eles mesmos tendo nascido nessa condição, só conheciam dores e trabalho, nem a religião poderia ser expressada, sem que fossem açoitados e presos nas casas de castigo, que eram buracos feitos na terra, onde ficavam amarrados dois dias ou mais, muitas vezes morriam picados por cobras, ou abelhas.
Assim aquele núcleo pequeno, porém corajoso, de uns quarenta homens ia pelas matas e sertões, seguindo, pegando frutas, folhas e raízes para cura, ajuntavam toda a água que podiam nos potes, (água de riacho), e comendo o que conseguiram trazer, além de ter trago também umas vaquinhas que era para alimentar os filhos pequenos, porque o leite de suas mães haviam secado, devido a terem que parar de amamentar seus filhos, antes de dois meses, para voltarem ao trabalho.
Loh, estava com apenas sete anos, e, já se importava com os irmãos mais novos, e com sua mãe, que de gravidez avançada, tinha dificuldade em ficar horas em cima do lombo de um burrico, tal qual Nossa Senhora, grávida de Jesus, atravessa o deserto fugindo do Rei Herodes.
Mas aquilo era tanto, ou pior ainda, pois eles eram escravos, agora assassinos, e, não iria demorar muito, para que os Coronéis, e senhores de Engenhos, e demais autoridades resolvessem por um bando de justiceiros atrás deles, por que afinal, o feito se deu numa das últimas fazendas a mais importante pela produção de cana-de-açúcar, algodão, café e feijão de todo Estado do Ceará.
Loh tivera esse nome , por escolha de sua avó materna, que dizia que aquele menino seria diferente de todas as outras crianças, e no dia de seu nascimento, resolveu dar um banho diferente do que as outras crianças tomavam, a nega véia ladina, conseguiu umas peças de ouro de Sinhá moça emprestada, e na noite de lua cheia,banhou seu primeiro neto coma água de cheiro e ouro, tudo ao olhar atento da menina de apenas quinze anos, que felizmente não se encontrava na casa grande nesses tempos, agora já com vinte e três, foi mandada para a França, para aprender a ser lady, como era sua irmã, mais velha e outras meninas daquela época. Iam para o exterior estudar, e arranjar marido, ou para quando voltassem ser a melhor opção para os jovens de seu nível, já doutores, advogados etc... e com sinhá Luiza não deveria ser diferente.
Mas a avó Rozenda, não deixou que seus filhos matassem a mãe de sinhá Luiza, e a poupou, trazendo-a de olhos vendados até uma longa distância da fazenda, sorte a mesma não teve seu marido, que por reagir, após a queda de seus jagunços, levou-lhe uma bala no peito e jaz ali na escadaria.
Dos outros três filhos, um apenas morreu , o pior de todos Lourenço, que tinha ojeriza por negros, embora tenha sido criado e curado de sua bronquite graças ao leite forte das negras...
Isso porque sua jovem mãe, não conseguiu dar leite em sua primeira gravidez, e o bebê teve que ser amamentado por suas mucambas,causando a esse quando adulto muita raiva.
Esse Lourenço desde pequeno humilhava o/as escravo/as, mas não as poupava de usá-las em seus madrigais, e porres... juntamente com outros amigos, e durante a noite, quando vez por outra com outros rapazes sequestravam as negras adolescentes, e as usavam a bel prazer, emprenhando muitas, e causando uma verdadeira guerra no pedaço, quando seus irmãos e namorados, descobriam, tratavam lutas, dando mortes inclusive.
Minha tia mesmo, chegou a pegar uma dessas meninas abusadas por esses rapazes, em uma vez que ela viajou por aquelas bandas, e viu a menina sendo perseguida pela estrada com a roupa rasgada e sangrando.
Ela mandou que o marido metesse bala na direção dos rapazes, parou a carruagem e colocou a menina pra dentro , dando ordem que disparassem os animais.
Mas, como estavamos falando, a tropa assustada seguia pelos arrebaldes do lugarejo, mas não sabiam que não muito longe dali, as caravanas de resgate já estavam a mil atrás deles, e temiam pela vida das mulheres e crianças.
Assim, quando um mensageiro passou contando o que estava acontecendo por ali, como as noticias já corriam, esse homem, ajudou muito nesse episódio, seu nome era Ulissis Gonçalves Fernandes, vinha numa galope rápido com mais um padre, e dois camaradas, quando resolveu contar o que estava sendo tramado conta o grupo, Ulissis era descendente de negros também, porém teve mais sorte, por que na fazenda onde seus pais viveram, era dada chances para que os escravos aprendessem a ler, e o menino de olhos verdes, caiu na proteção dos padres, o que o fizeram aprender latim e letras, formando-se na Bahia em professor.
Logo que foi dada a notícia, o grupo mudou a estratégia, ficou estabelecido, que o grupo deveria ser separado, e metade dos homens que poderiam lutar atrasariam os passos para receber os homens que estivessem vindo atrás, e o restante deveria seguir por outra trilha com o resto do grupo, e assim se fez.
Loh, que ainda menino pequeno, queria ficar com o grupo maior para proteger a tribo, mas seu minúsculo tamanho, não era lá considerado, e ele teve que seguir junto com o grupo das mulheres,e crianças.
Afinal, em sua cabeça, já era homem, mas a sua permanência foi de grande valia, por que seria ele com sua avó quem iria realizar o parto prematuro de sua mãe, já em sinais há um dia.
Sinhá Helvécia Maria Tereza Bragança, a patroa seguiu com o Padre, muito nervosa e passando mau, não reconhecia mais ninguém, os rostos embora familiares, agora traziam uma expressão de vingança, e cheiro de sangue.
Deu a mãe de Loh uma manta, que foi tudo o que conseguiu pegar da corda ao ser raptada, e olhou-a com ar de ternura e caridosamente fez uma oração,à negra na hora de dar à luz.
Curioso , mas não consegui odiar o grupo, embora tenha sofrido os flagelos da situação, mesmo sabendo que haviam matado seu marido, e seu filho mais velho, conseguia compreender que o que faziam, tinha uma causa e, um motivo justo; ela mesmo quantas vezes ao saber das notícias da capital, sugeria ao seu marido que mudasse, o sistema da fazenda e, desse liberdade aos negros e salário.
Mas nunca fora atendida, por que mulher não dava palpites no negócios da fazenda, o que ela poderia entender de dinheiro.
Nunca fora muito longe de onde nascera, e o que mais sabia fazer de melhor era bordar e costurar, fazer pães, e cultivar os jardins, que eram os mais belos da localidade.
Ela previra isso, já desde há muito e, nas véspera tivera a visão daquilo tudo, por isso talvez , pediu aos seus dois filhos menores que fossem à casa de umas tias distante dali dois dias, por que ela terminara de bordar uma colcha, para o casamento de sua sobrinha, e pediu que os rapazes, fossem levar la naquelas terras.
Seu marido achou que a mulher estava fazendo seus filhos de maricas, mas como ele próprio não queria saber de ir a casamento algum, não se importou que os filhos levassem o presente, feito por um longo ano, e junto com eles, enviou leitões e outras iguarias para a festa.
Estranhou que a própria mulher, não quisera ir também, uma vez que a sobrinha era sua afilhada, mas a mãe, dando uma desculpa que acordara passando mau das coisas de mulher, foi entendida de imediato.
A dona Helvécia, enviara também em seu lugar quatro negras de porte, com seus filhos (um de cada) permitiu que as mulheres levassem seus rebentos..., para colaborar no evento do casório, elas não muito a contento foram, mesmo sabendo da fuga que iria acontecer, combinaram que na noite do casamento, durante a festa, fugiriam pra outras bandas, com seus filhos, e levaram coisas que certamente iriam precisar para isso.
A patroa estranhou o volume, mas não quis criar atritos, e pensou que era para as crianças. Negras quando saiam assim levavam seus pertences e trouchas, nas cabeças, como iriam de carruagem, não faziam mal deixá-las do seu modo.
E dona Helvécia cedeu panos de algodão, para que elas pudessem forrar o chão para dormirem com seus filhos e amarrarem suas bugingangas.
Assim a patroa, não era odiada pelos negros, e mulheres, muito pelo contrário, era ela própria que as poupava dos serviços caseiros quando emprenhavam.
Embora soubesse, que muitos dos negrinhos dali eram de seu marido, e de seus irmãos e sobrinhos, como também de Lourenço! Ela tinha uma estratégia: fazia-se como quem fosse tonta, e cantava durante os partos, junto com a vó de Loh.
Mas nesse dia ,nem mesmo Loh a dirigia o olhar. E ela não estranhara isso, deu um último olhar ao grupo cabisbaixo, e seguiu com o Padre e Ulissis.
Nem bem amanheceu, e o primeiro grupo, foi alcançado, não restando nenhum pra contar história alguma.
Os cerca de vinte homens foram massacrados e degolados, embora também tenha havido baixa pelo outro lado. A batalha foi cruel, e sangrenta, e os corpos retornaram à aldeia para serem expostos em praça pública, servindo de alimento aos urubus.
O restante do grupo das mulheres ajudados por populações de escravos refugiadas, nas cercanias, foi conduzida por abolicionistas para o outro lado dos rios, e atingiram terras distantes na Bahia.
Menos a mãe de Loh, que ao saber que seu marido morreu , junto com outros homens do grupo... teve seu parto prematuro e, não aguentou, morrendo de hemorragia... junto com a criança.
Loh sofreu muito, pois fora ele quem ficara segurando a mão da mãe durante o parto, e viu os olhos dela, se fechando, despedindo-se dele, e do irmão já natimorto também.
Ali sentado na proa, segurava a mão de sua irmã, e de outro pequerrucho, que muito pouco entendia daquilo tudo, o Joaquim, sorria, com apenas um ano de idade, não podia se dar conta do que ocorria , enquanto Maria, já com três anos, podia observar do irmão mais velho, os olhos lacrimejantes, e tentava enxugá-los com sua pequenina mão, enquanto inocentemente dizia: chora não irmão, a mãe foi pro céu, ver estrelas, e amanhã, vai trazer pra nós dois anjos de Deus.
Foi um momento de pesar para o grupo, porém a viagem,não poderia parar ali! Ainda haviam cerca de mais de trinta pessoas para escaparem daquilo tudo, e a nau, estava no cais para eles fugirem.
Assim rapidamente embrulharam o corpo da mulher e do bebê... e enterraram dentro de uma gruta fechando a passagem, para que os animais não os achassem.
E, para disfarçar a dor que era grande, às crianças, era permitido, que cantassem uma canção, enquanto o olhar perdido de Loh, divagava pelo rio, lembrando dos olhos de sua mãe, e pelo desespero de sua avó, e também pelo olhar de despedida de dona Helvécia.
"Escravos de Jó, jogavam caxangá
Tira, bota, deixa o Zabelé ( ou Zé Pereira) ficar...
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá..."
Tira, bota, deixa o Zabelé ( ou Zé Pereira) ficar...
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá..."
Na verdade existem controvérsias sobre o significado dessa cantiga e talvez a gente nunca venha saber, de fato, o que exite nas entrelinhas desse jogo.
Loh, cresceu, e se tornou, um misto de "diabo" e de guerreiro, semi-deus, como fazia questão de se qualificar, domador de cobras e, de mulher.
Feiticeiro, quilombeiro, matador por dinheiro, e que amava a própria irmã, porém não a deflorou, como seus inimigos afirmavam.
(continuarei depois com sua lenda)
Referências:
1-http://pt.wikipedia.org/wiki/Fuga_para_o_Egito
2-MISTÉRIOS e SEGREDOS Blog Sítio Casarão SURPREENDA-SE: http://sitiocasarao.blogspot.com/2013/04/escravos-de-jo-misterios-na-origem-e.html#ixzz3I37msX3r
3-http://culturanordestina.blogspot.com.br/2008/11/escravos-de-jo-jogavam-caxanga.html
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