domingo, 9 de novembro de 2014

12 de Novembro Queda do muro de Berlim - transcrito. Obrigada por esse brinde - bela reportagem.


   Alemães celebram o início da queda do Muro de Berlim na Potsdamer Platz em 12 de novembro de 1989: 
   "Foi ótimo quando o muro caiu, mas o processo não foi fácil", diz Andrea, que nasceu do lado ocidental,logo depois da divisão do país.

Mona Brandt, de 24 anos, estuda comunicação na faculdade de cinema em Potsdam, a 30 minutos de trem de Berlim. Sua universidade se chama Konrad Wolf em homenagem a um famoso diretor da Alemanha Oriental que foi surpreendido na infância quando Hitler tomou o poder, em 1933, e o pai, um escritor judeu e comunista, decidiu exilar-se com toda a família em Moscou. Se a vida inspirou filmes a Konrad, a de seu irmão mais velho, Markus "Mischa" Wolf, parece ficção: ele foi chefe do serviço de inteligência internacional da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental. Mestre de espiões que se infiltravam no Ocidente, "Mischa" era o "homem sem rosto" até sua identidade ser revelada, em 1978, pelo serviço secreto sueco. Para Mona, que nasceu em Berlim em janeiro de 1990, a poucos metros dos escombros do muro derrubado dois meses antes, o cotidiano de uma nação partida em duas soa como um livro de John Le Carré.

A Alemanha de sua geração é o país que emergiu em 9 de novembro de 1989: uma potência econômica de mais de 80 milhões de habitantes, Produto Interno Bruto (PIB) de € 2,8 trilhões, tetracampeã de futebol, vanguarda em energia renovável, que hoje debate como ocupar seu lugar na geopolítica mundial sem soltar os fantasmas do passado.

"Cresci em uma cidade completamente normal, todos vão para onde bem entendem. Parece absurdo que pouco tempo antes de eu nascer havia gente que não podia fazer isso. Para mim, essa realidade é tão distante como a Segunda Guerra. É história", conta Mona, que se lembra quando percebeu pela primeira vez uma das marcas no chão da cidade do Berliner Mauer, espécie de cicatriz no asfalto que indica por onde passava o Muro de Berlim 25 anos atrás. E do episódio na escola, da amiga que ficou triste ao ser chamada de "ossi", termo pejorativo para identificar quem veio do Leste. Mona não entendeu. "Perguntei o que significava aquilo, 'vir do Leste', e ela me explicou."

O mapa da Alemanha dividida entre República Democrática Alemã, a Oriental, e República Federal da Alemanha, a Ocidental, está gravado na memória da geração anterior, assim como as consequências da separação. Andrea Brandt, de 53 anos, diretora de uma agência de trabalho voluntário, escuta em silêncio o relato da filha Mona. Para ela, os 150 quilômetros de um muro que podia chegar a 3,5 metros de altura foram muito concretos. Andrea nasceu em Berlim Ocidental três meses depois da noite de 13 de agosto de 1961, quando barricadas e arame farpado dividiram subitamente a cidade em duas. "O muro é de agosto, eu nasci em novembro. Cresci com ele, mas sabia que era algo antinatural", conta. O regime da RDA procurava estancar a fuga de milhões com a barreira física e da noite para o dia quem morava "do lado de lá" ficou assim. Pelos 28 anos seguintes.

Existem diferenças econômicas não sanadas do tempo da separação. O Leste é desindustrializado ainda
 e tem maior taxa de desemprego

O muro encapsulou Berlim Ocidental e a transformou em um enclave capitalista dentro da RDA - uma espécie de ilha, cercada de muro por todos os lados. Ali viviam 2 milhões de pessoas que esbarravam continuamente em cartazes ameaçadores avisando que estavam saindo do setor americano da cidade, lembrança de que Berlim havia sido fatiada em quatro pelas potências aliadas, depois da Segunda Guerra. Havia também os bairros administrados pelo Reino Unido e pela França. A zona soviética foi a que ficou do lado de lá das paredes pichadas do muro e formou Berlim Oriental, capital da RDA. Ali morava 1,2 milhão de pessoas. "Precisou de tempo para que as diferenças entre os alemães se atenuassem. A socialização era diferente, havíamos crescido em ambientes distintos. Os alemães do Leste eram mais desconfiados, vinham de um mundo onde havia a Stasi. Foi ótimo quando o muro caiu, mas o processo não foi fácil", relata Andrea.

O "processo" se iniciara muito antes. Em 1986, Mikhail Gorbatchov dava impulso às políticas de recuperação econômica e transparência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS. A perestroika e a glasnost, logo se viu, foram as sementes dos movimentos de ruptura do Leste Europeu. A tensão alemã irrompeu em Leipzig, em 4 de setembro de 1989, quando um grupo de mil alemães orientais se reuniu em frente da Igreja de São Nicolau para protestar contra o governo duro de Erich Honecker. A partir daí, Leipzig abrigou manifestações contra o regime todas as segundas-feiras, sempre às 18 h.

Logo a Hungria anunciou a abertura de sua fronteira com a Áustria. Em Praga, mais de 4 mil alemães orientais buscaram refúgio na Embaixada da Alemanha Ocidental. Em 16 de outubro, mais de 120 mil pessoas tomaram as ruas de Leipzig. Em 4 de novembro, centenas de milhares se juntaram em Alexanderplatz, a mítica praça de Berlim Oriental, na maior manifestação da história da RDA. O mundo acompanhava perplexo aqueles movimentos. Ninguém imaginava o que aconteceria no começo da noite de 9 de novembro, uma quinta-feira.

Não eram 19 h e Günter Schabowski, membro da mais alta instância do partido do governo da RDA, concedia entrevista a jornalistas internacionais. A intenção era anunciar medidas mais liberais sobre a permissão de saída do país. Um jornalista perguntou quando entrariam em vigor. "Ah, imediatamente", respondeu o burocrata. A entrevista era transmitida pela TV. Os jornalistas mandaram flashes às redações dizendo que a RDA estava abrindo as fronteiras. Milhares de alemães correram aos postos de fronteira sob o olhar de guardas atônitos. Depois vieram com picaretas, escalaram o muro na Porta de Brandenburgo e o mundo não seria mais o mesmo depois daquelas marretadas.
 AP


No alto, trecho do muro na rua Bernauer, no norte de Berlim, com a pichação "O muro tem de cair", 
em março de 1973; ao lado, imagem do mesmo local em outubro deste ano
Nem bem os pequenos carros quadrados, os Trabants, congestionaram Berlim Ocidental, o sociólogo americano Francis Fukuyama decretou "O Fim da História", livro de ciência política que virou best-seller, para horror das esquerdas. O embaixador Rubens Ricupero, que na ocasião servia na missão das Nações Unidas em Genebra, entende a queda do muro como um acontecimento de significação dupla. Fundamental para a história de Berlim e da Alemanha no pós-guerra, seus desdobramentos iriam muito além das fronteiras germânicas e do processo de reunificação. De maneira rápida e imprevisível, poria fim, em dois anos, aos 70 anos da revolução comunista.

Um de seus efeitos seria permitir a expansão europeia até o número atual de 28 países, engolfando o antigo mundo socialista e espalhando-se de Portugal, no Atlântico, até o mar Báltico, em uma ponta, e da Finlândia, no círculo boreal, à Grécia, na outra. "É um feito notável. Nem no Império Romano, nem na época de Carlos Magno, a Europa chegou perto disso. E isso só foi possível graças à queda do Muro de Berlim e à reunificação", diz Ricupero.

Aos seus olhos, o grande feito que dura e afeta todos, inclusive o Brasil, foi que a queda do muro foi apenas o pré-anúncio do colapso do comunismo como forma de organização econômica, social e política da sociedade. "Com a derrocada do modelo socialista, a forma predominante no Ocidente, que era, politicamente, a democracia representativa, e do ponto de vista econômico e social, a economia de mercado, se tornou senhora absoluta do terreno. Não tem mais nenhum competidor e isso permanece até hoje, embora existam muitos tipos de democracias e de capitalismo."

Não há números definitivos sobre o custo financeiro da reunificação alemã, mas ninguém duvida que não foi nada barato. Um relatório do banco alemão KfW estima que € 1,6 trilhão foram destinados ao Aufbau Ost, a reconstrução do Leste. Tudo teve que ser recuperado e, em alguns casos, reconstruído. Estradas, redes de esgoto e de energia elétrica, metrôs, telefonia, escolas, hospitais. A Alemanha Oriental investiu pouco nisso tudo, até por falta de recursos.

Juntar dois países que haviam seguido trajetórias tão diferentes em um só foi tarefa gigantesca e de enorme complexidade. Tudo tinha que ser repensado. O tratamento de água de uma Berlim usava cloro; da outra, não; e levou tempo para juntar tudo. Durante a Guerra Fria, somente companhias aéreas britânicas, americanas e francesas podiam voar para Berlim Ocidental, sobrevoando a antiga RDA. A Lufthansa não era autorizada. Quando o muro caiu, foi delicado convencer algumas empresas de que a situação tinha mudado e não podiam continuar com o monopólio do espaço aéreo.
Friedrich Däuble, cônsul-geral da Alemanha em São Paulo, entrou no serviço diplomático em 1984. "Os problemas da Alemanha dividida eram um tema central. Para nós, havia Moscou de um lado e Washington, do outro", conta. Os americanos eram aliados, com os russos tinham dificuldades. O primeiro posto de Däuble no exterior foi na Venezuela. Estava em Caracas quando o muro caiu. "Sentíamos que algo podia acontecer." Gorbatchov mandava recados claros ao governo duro da RDA. Em um discurso famoso às vésperas da queda do muro, o líder russo disse que "aqueles que chegam muito atrasados são punidos pela vida". "Era óbvio que ele dizia a Honecker que a política conservadora da RDA não tinha futuro", diz.

A soma de investimentos colocados no Leste 
em 23 anos é superior ao que se investiu 
no lado ocidental em 43 anos

Honecker caiu, o muro caiu, e Däuble foi chamado de volta à Alemanha. A capital ainda era Bonn, mas havia muito a ser feito em Berlim. Desde questões bizarras, como quem iria se responsabilizar a partir dali por cuidar dos monumentos soviéticos, até temas delicados, como negociar a retirada das tropas soviéticas do território alemão.

A integração física, com os ciclópicos investimentos em obras de infraestrutura, parece, 25 anos depois, uma faceta bem-sucedida da Alemanha reunificada. Foram gastos bilhões de euros em trilhos, estradas, ruas, hidrovias - quase € 40 bilhões em projetos de transporte. Só nas famosas Autobahnen foram feitas obras em 13 mil quilômetros de rodovias, sendo quase 2,5 mil quilômetros de novas rotas. Construíram 230 mil quilômetros de ruas e 34 mil quilômetros de ferrovias.

A unificação significou uma enxurrada de investimentos no Leste alemão. Entre 1990 e 2013, foram investidos € 7,61 bilhões em casas, escolas, edifícios, monumentos e outras obras urbanas no lado oriental. O dinheiro vinha da chamada "taxa de solidariedade", cobrada de todos os alemães que pagam impostos sobre renda, podendo alcançar até 10% sobre o total de taxas recolhidas dos mais endinheirados. A solidariedade veio de um lado e a balança do aporte de recursos pesou para o outro. A soma de investimentos colocados no Leste em 23 anos é superior ao que se investiu no lado ocidental em 43 anos (€ 7,37 bilhões, entre 1971 e 2013). O Leste é apenas um terço do território da Alemanha.

O esforço alemão em equiparar as metades teve por efeito colateral diminuir os investimentos nos Estados ocidentais. Sem recursos para manutenção, a irretocável infraestrutura alemã mostra sinais de desgaste. Imagens de rodovias esburacadas aparecem no noticiário e chocam os alemães, já escandalizados com os atrasos do novo aeroporto de Berlim, que nunca é inaugurado. O rico Estado da Baviera quer fechar a torneira e pede o fim dos repasses ao Leste. "Eu entendo o pessoal do Ocidente. Solidariedade não pode eternamente ser uma via de mão única e tem sido assim nos últimos anos", diz a alemã oriental Sabine Mehwald, responsável pelo serviço para cidadãos e visitantes do Ministério dos Transportes.

Nascida em um vilarejo na ex-Alemanha Oriental, Sabine lembra como se fosse ontem os últimos dias da vida no Leste. Ela cursou estudos românicos na Humboldt, a famosa universidade de Berlim Oriental, e fala português fluentemente. O mais velho de seus dois filhos tinha 11 anos em 1989, lembra-se da "vida no Leste" e até hoje é um leitor voraz. A filha é de 1987 - "conhece apenas o Oeste", lamenta a mãe. "O muro era um horror e não poder fazer o que se quer é horrível. Mas eu nunca quis viver na Alemanha Ocidental. Queria viajar, ir à África, conhecer o Brasil, escrever minha tese sobre Jorge Amado - acabei escrevendo sobre a revolução em Angola. Tive uma boa vida familiar, não sou vítima. Também na RDA podia se viver uma vida digna."

Há diferenças econômicas não sanadas do tempo da separação. O Leste ainda é desindustrializado. Depois da reunificação, o governo federal tentou estimular indústrias e empresas a se instalar nos antigos Estados do Leste, mas isso foi apenas parcialmente bem-sucedido e o Leste se ressente. A ex-Alemanha Ocidental ainda é a grande região industrial alemã. No emprego, as diferenças são fortes. Na Alemanha, a taxa de desemprego está em torno de 6,5%. Em Berlim, alcança 11% e em algumas regiões da antiga Alemanha Oriental é o dobro da média e bate em 14%, apesar de todos os programas de incentivos.

Os alemães ocidentais puderam poupar, comprar casa, investir em ações, montar seu patrimônio familiar, garantir a aposentadoria e deixar herança aos filhos. Quem nasceu do lado do lá do muro não tem reservas. Os salários entre uns e outros estão próximos, mas ainda não foram equiparados nem no serviço público. Curiosamente, é o endereço da repartição pública que define o salário do funcionário. Dependendo de onde o servidor foi registrado, pode ganhar 10% a mais ou a menos que seus colegas.

 AP

Guindaste remove parte da construção em dezembro de 1989: para Rubens Ricupero, a queda do muro foi apenas 
o pré-anúncio do colapso do comunismo como forma de organização econômica, social e política

Na política, no entanto, as diferenças parecem digeridas. O maior indicador disso são as origens das mais altas autoridades do país. A chanceler Angela Merkel, no poder há nove anos, criou-se em uma região ao norte de Berlim que, na época, pertencia à parte oriental. O presidente alemão Joachim Gauck nasceu em Rostok, na RDA, e teve papel importante nos protestos que levaram à queda do muro.

É nas relações internacionais que a Alemanha de hoje mais patina. Esse é um dos grandes debates domésticos. "Costumo dizer que a Alemanha é uma potência envergonhada", afirma um analista. Que é uma potência, ninguém discute. Com a unificação, havia menos recursos disponíveis para programas de desenvolvimento e assistência humanitária para países em desenvolvimento, mas voltou a ser um ator importante nesse front. O problema é como o país se coloca em sua política externa. A questão é delicada.

O passado militarista, que causou duas guerras mundiais e traumas não superados dentro e fora das fronteiras alemãs, faz que a abordagem de Angela Merkel seja especialmente cautelosa em qualquer conflito internacional. Mas a atuação internacional tímida destoa do papel de megapotência econômica. Em entrevista recente, o ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, reconheceu que a diplomacia alemã "está enfrentando demandas como nunca antes". O presidente Gauck, em janeiro, disse que o país tinha que sacudir a relutância do pós-guerra e assumir um papel global maior. Que papel o país ocupará na geopolítica contemporânea é debate alemão.

No primeiro semestre deste ano, a crise entre Rússia e Ucrânia estava diariamente no noticiário. É a primeira grande crise com Moscou depois da Guerra Fria. A ideia daqueles tempos voltarem apavora os alemães. Naqueles dias, quem sempre esteve à frente dos soviéticos eram os EUA, mas nos acordos para controlar a crise da Ucrânia Berlim tem tido papel fundamental. A queda do avião da Malaysia Airlines, em março, foi um divisor de águas, imagina-se. Morreram muitos europeus, inclusive alemães. A Alemanha assumiu posição protagonista, avaliam analistas, e Washington teve papel mais periférico. "Depois da queda do avião, a pressão do presidente Barack Obama sobre Vladimir Putin foi forte e ajudou, mas foi a Alemanha quem tomou a linha de frente e conduziu as negociações com a Rússia", diz um observador.

"Há uma hesitação na população alemã de fazer que o país lidere em questões internacionais. A guerra é um trauma. Por outro lado, você não pode ser um ator econômico forte e não ter nenhum esforço político", opina Walter Kaufmann, chefe do departamento do Leste e Sudeste europeus da Fundação Heinrich Böll, ligada ao movimento verde alemão. "Putin está testando limites. Sabe que a União Europeia é um bloco cheio de contradições e está jogando. Por isso, é muito importante ter um ponto de vista claro do que fazer."

No front global, a Alemanha tem à frente o risco de estagnação econômica, o que é um problema para quem tem sua força econômica calcada na demanda externa. Além disso, tem que enfrentar problemas de magnitude planetária. "O regime capitalista, tal como existe hoje no Ocidente, provou ser incapaz de resolver os três maiores desafios que a humanidade enfrenta na atualidade", observa o embaixador Ricupero. "O aquecimento global, a tendência a uma crescente desigualdade dentro das sociedades capitalistas mais avançadas e o desemprego são três desafios que nenhum sistema capitalista, e a bem dizer, nenhum outro, conseguiu resolver."

Daquele inverno de Berlim, há 25 anos, quando Mona estava para nascer, Andrea Brandt se lembra das ruas lotadas de alemães curiosos e excitados com o futuro. "Lembro de sentar na cama e pensar que o meu bebê poderia viver em uma cidade inteira e não em duas partes", diz. Neste ano, em que três datas fortes marcam a história alemã - 100 anos do início da Primeira Guerra, 75 anos do começo da Segunda Guerra e um quarto de século da queda do Muro de Berlim -, os alemães dizem ter razões para celebrar apenas a terceira efeméride. Comemoram com delicadeza - uma instalação sobre onde ficava o muro, com oito mil balões brancos e 16 quilômetros de extensão, percorre o centro da cidade.
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Reportagem Por Daniela Chiaretti | De Berlim 

Monumentos: Victor Brecheret


                 Grandes personagens, maiores ideais







Trinta e três anos de trabalho, para concluir o monumento às bandeiras/ SP








                                           Monumento às bandeiras






Monumento a Luis Alves de Lima e Silva- o duque de Caxias





Quem foi esse homem?

Victor Brecheret  (Farnese22 de fevereiro de 1894 — São Paulo17 de dezembro de 1955) foi um escultor ítalo-brasileiro, considerado um dos mais importantes do país.

 É responsável pela introdução do modernismo na escultura brasileira.

Sua figura ficou marcada pela boina que costumava vestir, ressaltando uma imagem tradicional do "artista".

Nascido "Vittorio Breheret" (sem a letra 'c' no sobrenome) numa pequena localidade não distante de Roma, filho de Augusto Breheret e Paolina Nanni, esta última falecida quando o pequeno Vittorio tinha apenas seis anos de idade. 

Foi abrigado pela família do tio materno, Enrico Nanni, e com sua família emigrou para o Brasil ainda na infância.

No Brasil, tornou-se "Victor Brecheret" e já com mais de trinta anos de idade recorreu à Justiça para inscrever seu registro nascimento tardiamente no Registro Civil do Jardim América (bairro de São Paulo). 

Assim Brecheret consolidava a sua nacionalidade brasileira, embora tivesse nascido na Itália. 
Este tipo de "regularização" era muito comum entre imigrantes italianos na primeira metade do século XX no Brasil.

Trajetória


Ainda moço frequentou as aulas de entalhe em gesso e mármore do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, onde mais tarde viria a utilizar o ateliê e seus aprendizes para moldar suas obras

Amadureceu estudando na Europa, onde entrou em contato com as vanguardas artísticas que ocorriam nas décadas de 1910 e 1920. Trabalhou com o escultor italiano Arturo Dazzi, sendo influenciado pela estética de pós-impressionistas como Ivan Meštrović, croata, e os franceses Auguste Rodin e Émile-Antoine Bourdelle.1 

Ligou-se a Emiliano Di CavalcantiMário de Andrade,Oswald de Andrade e Menotti del Picchia quando voltou ao Brasil e com eles participou da introdução do pensamento vanguardista no Brasil.



Participou da Semana de Arte Moderna de 1922, expondo vinte esculturas no saguão e nos corredores do Teatro Municipal de São Paulo.

 A partir daí manteve paralelamente uma carreira na Europa e em seu país. Expôs no Salão dos Independentes de Paris e fundou a Sociedade Pró Arte Moderna
.
Em 1920 ganhou um concurso internacional de maquetes para a construção de uma grande escultura em São Paulo (o futuro Monumento às Bandeiras). Em 1923 o governo do Estado de São Paulo encomendou-lhe a execução do Monumento às Bandeiras, projeto a que Brecheret viria a se dedicar nos vinte anos seguintes.

O Monumento às Bandeiras foi a maior obra de Brecheret e demorou 33 anos para ser construido (1920—1953).1 

Em 1932, torna-se sócio-fundador da Sociedade Pró-Arte Moderna (Spam).
Em 1951 foi premiado como o melhor escultor nacional na primeira Bienal de São Paulo..

Obra


Quando estudante do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, Brecheret foi essencialmente um artesão, executando obras de teor clássico e romântico.

Na Europa, ele iniciou uma produção similar a de pós-impressionistas. Ao entrar em contato com as vanguardas em curso naquela época no continente europeu, passou a expressar sua obra com manifestações vindas do construtivismoexpressionismo e cubismo,1 mas nunca chegando à abstração pura. 

Em sua fase mais madura, Victor procurou realizar experimentos estéticos que ligavam a escultura vernacular indígena brasileira com as experiências que desenvolveu na Europa.

Em sua produção destacam-se:
  • "Idolo" (1921)
  • "A Musa Impassível" (1923)
  • "Fauno" (1942)
  • "Depois do Banho" (1945)
  • "O Índio e Sasuapara" (1951)
  • "Monumento às Bandeiras" (1953)
  • "La vida'' (1960)

Imagens:

 "Graça", exposta na Galeria Prestes Maia, em São Paulo.




 Anjos no túmulo da Família Scuracchio, Cemitério São Paulo





Túmulo de Olívia Guedes PenteadoCemitério da Consolação


   


Figura feminina, bronze, 1951, coleção Ministério da Educação








Depois do banho - Largo do Arrouche




Eva - avenida Vergueiro - dentro da biblioteca pública.




Eva - Victor e eu Alice Baruch

Referências:


1-http://www.victor.brecheret.nom.br/

2-http://pt.wikipedia.org/wiki/Victor_Brecheret

3-http://literaturalitteris.blogspot.com.br/2012/05/escultura-modernista-victor-brecheret.html

4-http://www.pinturabrasileira.com/artistas_bio.asp?cod=34&in=1

5-http://pt.wikipedia.org/wiki/Monumento_a_Duque_de_Caxias


Comentários:


A ressurreição está também simbolizada na mais bela escultura cemiterial que conheço, O Sepultamento, de Victor Brecheret. No Cemitério da Consolação, ela celebra a vida cidadã de d. Olívia Guedes Penteado e seu marido, patronos da formação de grandes artistas paulistas. Mesmo que muita gente se mostre indiferente aos mortos e ao que eles representam, a arte funerária dos nossos cemitérios fala pelos ausentes e os povoa com a saudade do belo. Quem assume a grande missão da emancipação dos seres humanos de suas misérias e carências, as da matéria e as do espírito, nunca está só. Nem morre.
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* José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor, entre outros livros, de Uma Sociologia da Vida Cotidiana (Contexto, 2014)
Fonte: Estadão online, 08/11/2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Nego de Loh





   Vivia lá pelos cantãos de Paratinga, um certo enigmático negro... arredio, fugitivo de um quilombo no lombo de um burro com sua mãe, e um grupo de também outros fugitivos, mais ou menos uns quarenta homens e por volta de vinte mulheres, mais um monte de crianças, viajavam a noite para não criarem furdunço, e de dia ficavam escondidos dentro das grutas junto com os morcegos.

   Eles eram praticamente os últimos remanescentes escravos, e não pretendiam viver nessa situação o resto de suas sofridas vidas, assim os mais velhos resolveram que naquela noite, roubariam seus senhores, matariam os capatazes mor, incendiariam a casa grande e a senzala, e tudo o que pudessem levariam com eles, mas não se tratava de um roubo, estavam apenas descontando tudo o que seus antepassados sofreram, ao serem arrancados de suas tribos, e forçados a trabalharem como escravos, em outros países...e, eles mesmos tendo nascido nessa condição, só conheciam dores e trabalho, nem a religião poderia ser expressada, sem que fossem açoitados e presos nas casas de castigo, que eram buracos feitos na terra, onde ficavam amarrados dois dias ou mais, muitas vezes morriam picados por cobras, ou abelhas.  

  Assim aquele núcleo pequeno, porém corajoso, de uns quarenta homens ia pelas matas e sertões, seguindo, pegando frutas, folhas e raízes para cura, ajuntavam toda a água que podiam nos potes, (água de riacho), e comendo o que conseguiram trazer, além de ter trago também umas vaquinhas que era para alimentar os filhos pequenos, porque o leite de suas mães haviam secado, devido a terem que parar de amamentar seus filhos, antes de dois meses, para voltarem ao trabalho.

  Loh, estava com apenas sete anos, e, já se importava com os irmãos mais novos, e com sua mãe, que de gravidez avançada, tinha dificuldade em ficar horas em cima do lombo de um burrico, tal qual Nossa Senhora, grávida de Jesus, atravessa o deserto fugindo do Rei Herodes. 

  Mas aquilo era tanto, ou pior ainda, pois eles eram escravos, agora assassinos, e, não iria demorar muito, para que os Coronéis, e senhores de Engenhos, e demais autoridades resolvessem por um bando de justiceiros atrás deles, por que afinal, o feito se deu numa das últimas fazendas a mais importante pela produção de cana-de-açúcar, algodão, café e feijão de todo Estado do Ceará.

   Loh  tivera esse nome , por escolha de sua avó materna, que dizia que aquele menino seria diferente de todas as outras crianças, e no dia de seu nascimento, resolveu dar um banho diferente do que as outras crianças tomavam, a nega véia ladina, conseguiu umas peças de ouro de Sinhá moça emprestada, e na noite de lua cheia,banhou seu primeiro neto coma água de cheiro e ouro, tudo ao olhar atento da menina de apenas quinze anos, que felizmente não se encontrava na casa grande nesses tempos, agora já com vinte e três, foi mandada para a França, para aprender a ser lady, como era sua irmã, mais velha e outras meninas daquela época. Iam para o exterior estudar, e arranjar marido, ou para quando voltassem ser a melhor opção para os jovens de seu nível, já doutores, advogados etc... e com sinhá Luiza não deveria ser diferente.

   Mas a avó Rozenda, não deixou que seus filhos matassem a mãe de sinhá Luiza, e a poupou, trazendo-a de olhos vendados até uma longa distância da fazenda, sorte a mesma não teve seu marido, que por reagir, após a queda de seus jagunços, levou-lhe uma bala no peito e jaz ali na escadaria. 

  Dos outros três filhos, um apenas morreu , o pior de todos Lourenço, que tinha ojeriza por negros, embora tenha sido criado e curado de sua bronquite graças ao leite forte das negras...

  Isso porque sua jovem mãe, não conseguiu dar leite em sua primeira gravidez, e o bebê teve que ser amamentado por suas mucambas,causando a esse quando adulto muita raiva. 

   Esse Lourenço desde pequeno humilhava o/as escravo/as, mas não as poupava de usá-las em seus madrigais, e porres... juntamente com outros amigos, e durante a noite, quando vez por outra com outros rapazes sequestravam as negras adolescentes, e as usavam a bel prazer, emprenhando muitas, e causando uma verdadeira guerra no pedaço, quando seus irmãos e namorados, descobriam, tratavam lutas, dando mortes inclusive.

  Minha tia mesmo, chegou a pegar uma dessas meninas abusadas por esses rapazes, em uma vez que ela viajou por aquelas bandas, e viu a menina sendo perseguida pela estrada com a roupa rasgada e sangrando. 

  Ela mandou que o marido metesse bala na direção dos rapazes, parou a carruagem e colocou a menina pra dentro , dando ordem que disparassem os animais.

  Mas, como estavamos falando, a tropa assustada seguia pelos arrebaldes do lugarejo, mas não sabiam que não muito longe dali, as caravanas de resgate já estavam a  mil atrás deles, e temiam pela vida das mulheres e crianças. 

  Assim, quando um mensageiro passou contando o que estava acontecendo por ali, como as noticias já corriam, esse homem, ajudou muito nesse episódio, seu nome era Ulissis Gonçalves Fernandes, vinha numa galope rápido com mais um padre, e dois camaradas, quando resolveu contar o que estava sendo tramado conta o grupo, Ulissis era descendente de negros também, porém teve mais sorte, por que na fazenda onde seus pais viveram, era dada chances para que os escravos aprendessem a ler, e o menino de olhos verdes, caiu na proteção dos padres, o que o fizeram aprender latim e letras, formando-se na Bahia em professor. 

  Logo que foi dada a notícia, o grupo mudou a estratégia, ficou estabelecido, que o grupo deveria ser separado, e metade dos homens que poderiam lutar atrasariam os passos para receber os homens que estivessem vindo atrás, e o restante deveria seguir por outra trilha com o resto do grupo, e assim se fez.

  Loh, que ainda menino pequeno, queria ficar com o grupo maior para proteger a tribo, mas seu minúsculo tamanho, não era lá considerado, e ele teve que seguir junto com o grupo das mulheres,e crianças.

  Afinal, em sua cabeça, já era homem, mas a sua permanência foi de grande valia, por que seria ele com sua avó quem iria realizar o parto prematuro de sua mãe, já em sinais há um dia.

   Sinhá Helvécia Maria Tereza Bragança, a patroa seguiu com o Padre, muito nervosa e passando mau, não reconhecia mais ninguém, os rostos embora familiares, agora traziam uma expressão de vingança, e cheiro de sangue.

   Deu a mãe de Loh uma manta, que foi tudo o que conseguiu pegar da corda ao ser raptada, e olhou-a com ar de ternura e caridosamente fez uma oração,à negra na hora de dar à luz. 

   Curioso , mas não consegui odiar o grupo, embora tenha sofrido os flagelos da situação, mesmo sabendo que haviam matado seu marido, e seu filho mais velho, conseguia compreender que o que faziam, tinha uma causa e, um motivo justo; ela mesmo quantas vezes ao saber das notícias da capital, sugeria ao seu marido que mudasse, o sistema da fazenda e, desse liberdade aos negros e salário. 

   Mas nunca fora atendida, por que mulher não dava palpites no negócios da fazenda, o que ela poderia entender de dinheiro.    

   Nunca fora muito longe de onde nascera, e o que mais sabia fazer de melhor era bordar e costurar, fazer pães, e cultivar os jardins, que eram os mais belos da localidade.

   Ela previra isso, já desde há muito e, nas véspera tivera a visão daquilo tudo, por isso talvez , pediu aos seus dois filhos menores que fossem à casa de umas tias distante dali dois dias, por que ela terminara de bordar uma colcha, para o casamento de sua sobrinha, e pediu que os rapazes, fossem levar la naquelas terras. 

  Seu marido achou que a mulher estava fazendo seus filhos de maricas, mas como ele próprio não queria saber de ir a casamento algum, não se importou que os filhos levassem o presente, feito por um longo ano, e junto com eles, enviou leitões e outras iguarias para a festa.

  Estranhou que a própria mulher, não quisera ir também, uma vez que a sobrinha era sua afilhada, mas a mãe, dando uma desculpa que acordara passando mau das coisas de mulher, foi entendida de imediato. 

  A dona Helvécia, enviara também em seu lugar quatro negras de porte, com seus filhos (um de cada) permitiu que as mulheres levassem seus rebentos..., para colaborar no evento do casório, elas não muito a contento foram, mesmo sabendo da fuga que iria acontecer, combinaram que na noite do casamento, durante a festa, fugiriam pra outras bandas, com seus filhos, e levaram coisas que certamente iriam precisar para isso. 

  A patroa estranhou o volume, mas não quis criar atritos, e pensou que era para as crianças. Negras quando saiam assim levavam seus pertences e trouchas, nas cabeças, como iriam de carruagem, não faziam mal deixá-las do seu modo.

  E dona Helvécia cedeu panos de algodão, para que elas pudessem forrar o chão para dormirem com seus filhos e amarrarem suas bugingangas.

  Assim  a patroa, não era odiada pelos negros, e mulheres, muito pelo contrário, era ela própria que as poupava dos serviços caseiros quando emprenhavam. 

  Embora soubesse, que muitos dos negrinhos dali eram de seu marido, e de seus irmãos e sobrinhos, como também de Lourenço! Ela tinha uma estratégia: fazia-se como quem fosse tonta, e cantava durante os partos, junto com a vó de Loh. 

   Mas nesse dia ,nem mesmo Loh a dirigia o olhar. E ela  não estranhara isso, deu um último olhar ao grupo cabisbaixo, e seguiu com o Padre e Ulissis.

  Nem bem amanheceu, e o primeiro grupo, foi alcançado, não restando nenhum pra contar história alguma. 

  Os cerca de vinte homens foram massacrados e degolados, embora também tenha havido baixa pelo outro lado. A batalha foi cruel, e sangrenta, e os corpos retornaram à aldeia para serem expostos em praça pública, servindo de alimento aos urubus.

  O restante do grupo das mulheres ajudados por populações de escravos refugiadas, nas cercanias, foi conduzida por abolicionistas para o outro lado dos rios, e atingiram terras distantes na Bahia. 

   Menos a mãe de Loh, que ao saber que seu marido morreu , junto com outros homens do grupo... teve seu parto prematuro e, não aguentou, morrendo de hemorragia... junto com  a criança.

  Loh sofreu muito, pois fora ele quem ficara segurando a mão da mãe durante o parto, e viu os olhos dela, se fechando, despedindo-se dele, e do irmão já natimorto também. 

   Ali sentado na proa, segurava a mão de sua irmã, e de outro pequerrucho, que muito pouco entendia daquilo tudo, o Joaquim, sorria, com apenas um ano de idade, não podia se dar conta do que ocorria , enquanto Maria, já com três anos, podia observar do irmão mais velho, os olhos lacrimejantes, e tentava enxugá-los com sua pequenina mão, enquanto inocentemente dizia: chora não irmão, a mãe foi pro céu, ver estrelas, e amanhã, vai trazer pra nós dois anjos de Deus.

   Foi um momento de pesar para o grupo, porém a viagem,não poderia parar ali! Ainda haviam cerca de mais de trinta pessoas para escaparem daquilo tudo, e a nau, estava no cais para eles fugirem. 

   Assim rapidamente embrulharam o corpo da mulher e do bebê... e enterraram dentro de uma gruta fechando a passagem, para que os animais não os achassem. 

   E, para disfarçar a dor que era grande, às crianças, era permitido, que cantassem uma canção, enquanto o olhar perdido de Loh, divagava pelo rio, lembrando dos olhos de sua mãe, e pelo desespero de sua avó, e também pelo olhar de despedida de dona Helvécia.

   
"Escravos de Jó, jogavam caxangá
Tira, bota, deixa o Zabelé ( ou 
Zé Pereira) ficar...
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá..."
  

Na verdade existem controvérsias sobre o significado dessa cantiga e talvez a gente nunca venha saber, de fato, o que exite nas entrelinhas desse jogo.


  Loh, cresceu, e se tornou, um misto de "diabo" e de guerreiro, semi-deus, como fazia questão de se qualificar, domador de cobras e, de mulher. 
   
   Feiticeiro, quilombeiro, matador por dinheiro, e que amava a própria irmã, porém não a deflorou, como seus inimigos afirmavam.

                                      (continuarei depois com sua lenda)  


Referências:

1-http://pt.wikipedia.org/wiki/Fuga_para_o_Egito

2-MISTÉRIOS e SEGREDOS Blog Sítio Casarão SURPREENDA-SE: http://sitiocasarao.blogspot.com/2013/04/escravos-de-jo-misterios-na-origem-e.html#ixzz3I37msX3r

3-http://culturanordestina.blogspot.com.br/2008/11/escravos-de-jo-jogavam-caxanga.html

A vida segue seu fluxo ... Nada muda sem que você não permita!

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Que lugar é esse ? One club of The chess... greast ...