segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Vou me embora pra Pasárgada... lá sou amigo do Rei.... Antes de ouvirmos muitas palavras, ele já as conhecia Manuel Bandeira - Genial...









   Naqueles dias que se antecipavam ao retorno... cada uma ao seu modo, procurava o que fazer.

   Como assim, cada uma ao seu modo?

   É que, quando o que não tem mais jeito se instaura, não há o que fazer mesmo!

   Talvez chorar, seja uma saída...! Mas sabemos, que uma hora as lágrimas secarão!

  Então, não vamos ter lágrimas para chorar... e, ai o irremediado acontece. Naquela manhã às cinco horas, ainda com o sol dormindo o jeep parava na porta.

  Era Sinval, que embora gostássemos dele, naquele dia especialmente, desejamos(eu, Nita, Luiz e Cristina principalmente) que ele morresse!

   E, como algumas coisas já tinham ido antes, não tinhamos muita coisa de fato. 

   Exceto as lembranças... e uma saudade antecipada, com a certeza de que talvez não retornássemos mais! 

   Olhei para a casa de meu avô, e o vi, aspirando rapé, e colocando a caixinha no bolso, (com ar de preocupação)seu olhar fitava algo, longe dali... e a cabeça balançava, de um lado para outro!

   Aquele homem, era um visionário, e na noite anterior passara, na casa grande, para tentar persuadir a filha, a desistir da idéia de voltar para o Rio de Janeiro. 

   Aquela época, (início dos anos 70), dizia ele, vai haver outro golpe militar, e as coisas novamente ficarão dificeis, você vai ver! 
   Falava como se fosse um mago, e com a lábia de um repórter.

   Eu o respeitava, porque não achava que houvesse outra pessoa mais inteligente do que ele , naquelas bandas, o mais próximo, era meu padrinho Theodomiro Magalhães, que era o doutor farmacêutico da cidade, e sabia muito de fórmulas. 

   Mas meu avô, sabia da vida, das coisas que ainda não haviam acontecido, e como seriam! por isso, o meu respeito e total admiração.

  Eu, por mim, se deixassem ficaria ali mesmo, até porque não imaginava que a vida seria mais feliz longe dali. 

  Muito tempo depois li : Pasárgada, e achei que o Manuel Bandeira, tinha feito aqueles versos, ali mesmo, em Paratinga!!

   Pensei que Pasárgada apenas tinha errado(trocado) o nome por que Paratinga do Urubu, era muito feio!! kkk

*
 
      * (essa cena, é muito semelhante à minha casa, em frente à Praça XV de Novembro, Paratinga/Ba)

   Afinal, não queria ir, porque conhecia muitas meninas, e meninos, podia brincar na rua até altas horas...e ninguém me fazia bullyng, eu era amiga de todos: negros, ruivos, sararás-crioulos, ciganos, cafuzos... feios e bonitos... altos e magros, gordinhos... ricos e mais ou menos, incluindo pobres!

   Todo mundo falava comigo, e ganhava as mais deliciosas bolachas de peta quando passava pelas casas, e sentia o cheiro da tapioca quente. 

   Lá não havia trancas fortes nas portas, eram de madeira mesmo, (taramelas) e, facilmente, conseguíamos abrir, empurrando, quando não, nem havia necessidade desse trabalho, pois as portas ficavam abertas a qualquer hora do dia, e era só dizer: Oh de casa, e ouvir de lá de dentro, entra, e o nosso nome era chamado... 

   Como tinham tanta memória, até hoje não me perguntem. Me lembro de uma senhorinha cega, que pelo cheiro da gente dizia quem entrara em sua casa!! 

   Oh mama, eu achava que ela, não era cega nada, mas testei um dia com uma ponta de graveto na direção dos seus olhos e ela nem piscou... Puts... criança é um bicho doido!!

  Sem deixar de falar do meu tio Miguel, que era como um irmão mais velho e gaiato. Esse cedo, ainda escuro... rumou para a ilha, que era pra não ver ninguém sair embora!

  A minha ilha! 

  Mãe não posso ir... meus amigos estão lá...eles vão perguntar cadê eu!

  Que ilha você tem, deixa de ser louca...que levar umas chicotadas? 

  Ai eu e a Nita emburravamos a cara, por que eu levar chicotes, se era ela quem estava fazendo a burrada?

  As decisões de uma casa, deveriam ser tomadas em grupo! 
  Não se pode decidir por todos... 
  Bem pensava assim quando ainda tinha 8 pra 9 anos.

  E, anos mais tarde, continuava a pensar assim, quando meu esposo decidiu, sozinho, ir trabalhar no Japão! e deixar eu e o filho aqui no Brasil!!! 

   Bom, me lembro que não decidi nada, fui apenas informada, com um convite tempos depois, de ir também, porém deixando a criança por aqui, com parentes! absurda essa ideia ... estapafurdia (bizarra)!!. 
  
   Mas um adentro: Como as histórias de infância se repetem, quando já crescidos, temos que encarar a nossa vida. 

   Por isso o resgate da criança lá na estrada: É tão importante, por que a minha criança despertou, e, nos nós refizemos na lembrança e no amor!

   E, voltamos para onde seria o melhor a se fazer: Não foi. 

  Em vários aspectos, que talvez um dia consiga descrever em minúcias! Mas, definitivamente: Não foi mesmo! infelizmente.

  E, pela janela do Jeep, tentei ver todas as casa, quando o sol com seus primeiros raios, surgiu, lá na várzea, dando-nos um adeus... 
  
   Voltei outras vezes, mas nada era mais como antes. 

   O retorno a algo, ou a alguma situação, quase sempre é uma catástrofe! 

   As alegrias deixamos no passado... e, recuperar o tempo perdido, pra mim, é a frase mais desconexa, e estranha, que alguém pode proferir. 

   Salvo em raríssimos casos. Voltei lá, e a cidade tinha outra cara.    
   A Praça XV de Novembro mudou, radicalmente. 

   A casa do meu avô foi desfeita e refeita, anos depois. 

   O coreto acho que sumiu... 

   A várzea perdeu suas terras, e se eu fosse até a Ilha, lá do outro lado, a minha oncinha me comeria (ou não), talvez ela me reconhecesse como fez quando fui sequestrada, pela bruxa maluca!

  Enfim: Nada mais, era igual, como era antes.

   De igual apenas o que foi fotografado. 

   Somente nas fotografias somos iguais. No mais, nada mais!








Vou-me Embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

Texto extraído do livro "
Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90

*(Achei essa pintura na Internet- muito semelhante à casa que morei).

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