terça-feira, 28 de agosto de 2012

cap.1- O frio... as idas a escola - as cantigas que nos fazia não perder a esperança em dias melhores... as manhãs nebulosas... A presença sentida, mas não vista.... o beijo no rosto - e o carinho de um olhar .




     Era inverno, a neblina e o vento úmidos gelavam na alma; a ponta do nariz quase congelando, os dedos agarrados dentro dos bolsos, não sei se era de medo ou de frio, os pés pisavam ligeiros, nas ruelas congelados, afundando na densa neve...os mais velhos puxavam os mais novos.

     A fome - não deixava raciocinar, fazia com meu estômago, reclamasse por comida, mas não se podia falar nada, ora ou outra colocava o dedo na boca, para a salivação seca dar a impressão que receberia algo para comer... mas logo já não funcionava, pois a fome só aumentava...sem que eu falasse nada, minha mãe, tirava uma batata cozida com azeite e orégano, e um pedaço de pão molhado num pote com café com leite. e me oferecia...Santa providência...Santa mãe!!!

     Conseguíamos chegar à estação apressados, éramos um grupo, e uns ajudavam aos outros.

    Aquecia-nos ao mesmo tempo éramos aquecidos... agora o trem soltava baforadas de fumaça negra e um apito longo, prenunciava a hora da partida.
   O coração batia acelerado, as cenas vividas, embora somente com 10 anos era de provocar um choro calado, silenciosos, e saudoso....

     Percebi que minha mãe primeiro, depois meu pai olhavam na direção da nossa casa...e, deixavam descer sem resistência, uma lágrima, deixávamos nossa casa, nossos pertences, nossos sonhos... e nossa história para trás....
   
     O dia ainda não clareara de vez, olhei para meu relógio, que ganhara em meu aniversário, do ano anterior, e via embora com dificuldade pois estava embassado, que eram quase quatro horas da manhã.

     Vi ao longe, algumas pessoas novas, e algumas idosas que, tentavam correr para alcançar a locomotiva... mas não conseguiam, os que conseguiram alcançar a máquina, ainda foram resgatado por um alguém que já se encontrava no lado de dentro, mas não tinha como alguns idosos chegarem, faltara-lhes forças suficiente, mas mesmo assim, mandavam com que os mais jovens tentassem alcançar.... a maioria do que corriam ficavam pelo meio do caminho caídos, aqui e ali, conforme nos afastavamos dali, os víamos, de mãos esticadas, não havia mais ninguém por perto para ir ao seu alcance, e, eles acabariam morrendo, já havíamos alcançado certa distância, e a presença de cadaveres caídos  nas ruas, nus, ou semi-nus, sem sapatos, com certeza foram saqueados, e acabaram morrendo de hipotermia, pois o inverno, era glacial... me lembro, que minha mãe falara que as temperaturas ali onde morávamos eram as mais frias da Europa, e desde pequenino, acostumei-me a andar pesado, com luvas, cachecóis, e várias roupas, principalmente nos dias de aula.
    Minha mãe, lecionava, aonde eu estudava, mas não me dava aulas, porque a direção da escola não queria que filhos estudassem com os pais, para não corrompê-los, e descobrir quais as questões da prova que teriam que prestar.
    Assim, as séries eram distribuídas aos professores que não tivessem filhos naquele período. A lealdade e o carater, eram coisas aprendidas na escola, e em casa.

     Outrora, aqueles momentos que íamos andando para a escola, eram muito divertidos, e vez por outra chegávamos em cima da hora, porque eu e minha mãe Alice, brincávamos de fazer os mais rechonchudos bonecos de neve!... ao grupo, íam-se chegando outras pessoas, mães e crianças que estudavam nos mesmos lugares, e às vezes cantavámos pelo caminho, para espantar o frio, alguns homens que dirigiam-s e ao trabalho, também eram vistos dados a mãos aos seus guris..

    Meu pai, Paulo Baruch - era comerciante, como fora seus antepassados Isidor e Esther- e fabricava quase tudo que fosse de couro, ou napa, como sapatos, bolsas, cintos , carteiras, e também costurava peças de alfaiataria. Dizia que não podíamos aprender somente uma profissão , pois quando estivesse ruim os negócios em uma, deveríamos saber outros ofícios... e, quando chegava da escola, após o almoço, tinha que descer e ajudá-lo em suas funções, minha mãe, vendo-me com sono, às vezes dizia que eu tinha febre, e precisava ficar deitado, indo ela mesmo no meu lugar, o que o deixava desconfiado de nossa cumplicidade, mas em geral , eu só queria descansar 1 hora apenas, e logo descia , e a liberava , dizendo que o remédio que ela me dera fez passar a febre.

   Outras vezes, ela o convencia a não abrir a alfaiataria na parte da tarde, e se algum cliente precisasse de algo, o chamaria em casa... assim ele trabalhava até as 15 horas, e vinha almoçar, e descansava mais cedo.

   Mas, a Alemanha estava em crise, aliás o mundo estava passando por profundas transformações, e grandes mudanças, sempre significava grandes sacrifícios, de todos.

   Os alimentos começavam a se escassear, o leite já faltara, e quem se precaveu comprando leite em pó, agora teria o alimento à mesa, me lembro que uma amiga de minha mãe, bateu um dia de madrugada na nossa porta, porque seu leite acabara de secar, e ela não conseguia amamentar seu bebê, e nem seu filho de dois anos pudera mamar , o que o fazia chorar também, quando o menor começava...e, mamãe, a levou para dentro de casa, e ainda preparou um mingau para os três, além de mandá-la levar duas latas para seus filhos... mas não sem antes pedir minha permissão, pois minha dieta tinha que ter leite, como me recomendara meu médico, ela só me olhou...e, eu mesmo fui até a despensa, e contei quatro latas, trazendo duas na mão, e dando à pobre mulher. Ela quis pegar apenas uma, mas minha mãe, disse-lhe, uma é ele quem está dando ao bebê, e, a outra, sou eu quem dou ao mais velho.

   Nessa hora, seus olhos encheram-se de lágrimas, mas o sorriso a fazia ficar linda!
   Minha avó estava em pé na porta, com um casaco que acabar de tricotar, e também deu a mãe, dizendo que estava geando lá fora, e ela se embrulhasse bem, mas meu avô, levantou-se da cama , junto com meu pai, e já estava com a chave do nosso carro, para levá-los em casa, apesar de saberem que os soldados e tropas, faziam a ronda, e se encontrasse pessoas suspeitas, não se incomodariam em prendê-los, assim minha mãe , recomendou à moça, que se os parasse, dissesse que tinha vindo de sua casa, porque um de seus filhos ardia em febre... e fora pedir um analgésico.
   Assim esperaram apenas clarear um pouco, e saíram os três, enquanto nos preparávamos para iniciar o dia, e nossas atividades.

   Naqueles dias, todos deveriam se confraternizar, assim quando caía a noite, e as poucas luzes se acendiam na cidade, nos reuníamos em casa de algum amigo, pra falarmos de nossas esperanças, de Nosso Salvador, ler alguns textos do Torá e da Caballah.

    E, como  já não erá-nos permitido frequentar a Sinagoga, por ter sido fechada arbitrariamente, tínhamos por hábito realizar o Bar- Mitzavá, que era o ritual de um jovem, que havia iniciado na vida adulta, aos 13 anos de idade, e meu avô, juntamente com os demais homens realizavam, o ritual dessa passagem, em uma casa de compatriota que fosse mais ampla...esse rito era o mais importante de usa vida.

    Eu assistia tudo sério, e auxiliava quando era solicitado, mas ainda não havia completado meus 13 anos, e teria que esperar até os próximos três anos, para também atingir um grau de maior-idade.
    Minha mãe, e minha tia Rosa, eram as pianistas e, oficialmente abriam a cerimônia, porque a música, disse-me uma vez, auxilia na concentração, principalmente quando elas trazem os temas, nas quais pomos nossa fé.

     Aos sábados, era recitado o Kadush - a purificação do vinho.
     Havia ainda a recitação do Kedushá, que era um recital de devoção silencioso, no qual eram repetidas as palavras: "Santo, santo, santo - Santo é o senhor dos exércitos, o mundo inteiro está cheio de sua glória".

   A  vida era difícel para eles, e muitos judeus, pois o Nazismo se aproximava, e ninguém podia premeditar, o que lhes aconteceria, mas sabiam que não eram coisas boas.


   Mas apesar, das dificuldades que passavam, permanecia a Fé, e a confiança, naquele que era maior do que todos, e um profundo amor a vida em todas as suas formas, era o que nos ensinavam, inclusive afirmando que a vida é sagrada, e  digna de ser vivida.
   
    A mulher para os judeus, era tida como o sustentáculo da fé da família, e aquela a quem traria, a característica de orientar os filhos, e ser fonte de virtudes, coração aberto para socorrer os necessitados, que lhe batem à porta, além de demonstrar otimismo, e, ser a pessoa sobre quem toda a família pode apoiar-se.

    Nas velhas comunidades judaicas, a educação dos filhos, até a idade de seis anos caberia à mãe mais importante era o papel de conselheira da família inteira.
    Ela respeitava seu esposo, e o amava. Na tradição judaica, se considera o maior desrespeito, ser criado num lar sem amor.. sem paz, e sem respeito mútuo... assim o papel da mulher no lar, dando-lhe o caráter moral, e educativo, amoroso, entre os filhos, seria a maior prova de inteligência, e de amor, entre os seus elementos.

    Mas a nossa vida, segundo os mais experientes, estava por um fio, e a única maneira de sobrevivermos, seria sair do país, ao que alguns não acreditaram que isso fosse verdade, mas para quem tivesse olhos de ver- e sexto sentido de sentir, poderia prever, os dias que estariam por vir pela frente; assim minha família, e mais alguns amigos, religiosos, homens de negócio, não podiam permanecer de olhos vendados, e nesses encontros após serem promulgados seus rituais, eram preparados planos para irmos embora, meus avós, bisavós, criam fervorosamente na palavra de um rabi, muito antigo, e que tinha o dom das premonições, mas haviam aqueles que não acreditavam, e preferiram não dar atenção as falas de um ancião, continuando em suas atividades, inclusive, apostando em negócios, que num curto espaço de tempo, iriam ser suas ruínas.
    Assim, naquela noite, me fora facultado o direito de ir até eles...
    Aquelas cenas, eram fortes para mim... mas participar de atos próprios deles, sempre me reconfortavam, e me faziam crer no que não conhecia, e saber respeitar a religião de outras pessoas, como a minha.

     Eu não podia me conter diante daquelas pessoas, a familiaridade, e o amor que sentia por elas, era algo indescritível! e, nem sei, porque tinha a impressão de que sabiam da minha presença por ali, por que ora via minha avó com seu olhar sublime, e seu sorriso irradiante, a me fitar, que eu chegava até ficar desconcertada, também via o mesmo olhar do menino Gunter - aquele que dali saíria, e um dia seria o meu pai... fui até bem perto dele, e lhe depositei um beijo na fase, ao que me retribuiu com um sorriso matreiro e de uma beleza inenarrável, fui bem próximo de minha avó Alice, e de meu avô Paulo Baruch - os abracei ternamente, encostando meu rosto ao deles.

    Sentindo o perfume que usavam, e segundo soube era meu pai, quem preparava as essências, e as colocava, na alfaiataria do avô. vendendo todas e recebendo mais encomendas. Dali veio o amor pelas essências e pela química, tornando-o um profissional, já aqui no Brasil.
   Abracei mentalmente meus bisavós, e colhi deles também seus aromas, e aura vibratória, ainda que bem fracas... Minha futura tia avó - Rosa Lemerz, era uma adolescente, mais nova que minha avó, mas também de uma beleza carismática e forte, embora ainda contasse com seus 17 anos, já prenunciara a mulher decisiva, forte e corajosa que seria.

    Minha Mestra, fez-me um sinal para que a seguisse, pois faltava poucos minutos, e eu teria que ir para escola, e claro que não poderia correr o risco de alguém tentar me acordar e, eu permanecer em letargia.

    Amanhã você volta! Eu prometo... agora vamos nos apressar...

    Sim Mestra.... acompanhei-a, sem sequer olhar para trás, porque se olhasse, com certeza, não iria conseguir sair dali!!!

                                          Alice Baruch

                                                                 (Continuaremos amanhã).

 Mais um pouco de nossa música.

 

   
   



                        Família típica alemã... quando na chegada ao Brasil - Novo Hamburgo RS.

REFERÊNCIAS:

 1-http://colecao.judaismo.tryte.com.br/livro1/l1cap23.php

 2-http://imigracaoalemanosuldobrasil.blogspot.com.br/2011/06/acervo-de-fotos-sobre-imigracao-alema.html
   
 


“Apenas seguir em frente.Primeiro, porque nenhum amor deve ser mendigado.       
Segundo, porque todo amor deveria ser recíproco.”
                          (Martha Medeiros)

4 comentários:


  1. "A idéia encarna em peitos que palpitam:
    O seu pulsar são chamas que crepitam,
    Paixões ardentes como vivos sóis".
    Antero de Quental

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  2. Alicinha, este memorial familiar é indescritível. Quantas lembranças de um passado onde a fome, o medo e a perseguição se fizeram presentes.
    O que fortalecia seus corações naqueles momentos difíceis era a força que vinha do alto, amparada pelos rituais religiosos judaicos.
    Não deve ter sido fácil abandonar sua terra, seus bens e tudo que vocês edificaram com muito suor e sacrifícios, mas a visão profética de tempos ruins vindouros alavancou a fuga para outros rincões do mundo.
    O Brasil acolheu muitas famílias que aqui tiveram um novo começo, local onde puderam descansar suas cabeças e onde podem até hoje viver suas práticas religiosas em paz.
    Parabéns pela fiel descrição dos momentos que mudaram o rumo da história mundial, dos quais a família Baruch tomou parte.
    José Maria Cavalcanti
    www.bollog.com.br

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    Respostas

    1. Realmente .... acertadíssimas observações...

      Porém, mesmo em terras distantes e, aparentemente tranqüilas, houveram dificuldades e esfoliações,os imigrantes foram discriminados, humilhados e, perseguidos, alguns chegaram a ser presos como subversivos.

      Aguarde o terceiro capítulo Cava...

      Obgduu pela visita...

      Abçs... Shallom

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  3. Que maravilha ver contada a história da sua família, agora sei mais sobre o judaísmo.
    Beijos!!

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Obrigada pela presença, caso queira deixe seu comentário.

Até a próxima postagem! ABRAÇOS FRATERNOS ...

A vida segue seu fluxo ... Nada muda sem que você não permita!

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Que lugar é esse ? One club of The chess... greast ...