quinta-feira, 30 de agosto de 2012

cap.2- Trouxera três livros... um rádio de pilhas... meu jogo de xadrez e poucas roupas...



     O dia começara a clarear, o balanço das máquinas e o ruído eram fortes e estridentes... a saudade era o que de pior me machucava, mas na verdade, não conseguia descrever do que sentia saudade... da casa... dos brinquedos... dos amigos ... da escola... dos bolos que minha mãe fazia, nos dias de sábado? 

     Eram tantas lembranças, que ficava dificel compreender aquele momento. 


     Procura fechar os olhos, pois quase não dormimos na noite anterior, tamanho burburinho, que se transformara nossa casa, com os preparativos mínimos para a viagem. 


     Meu pai consultara mapas... minha mãe as revistas e... os sonhos de uma jovem mãe e mulher que tivera todas as dificuldades, com as quais não se podia prever, mas que encontrara nessas dificuldades - vários motivos para prosseguir, com resignação e fé!. 


    O rabino Alev Samuel, demonstrava preocupação com o trajeto, e as investidas que podería nos acontecer, como se em sua cabeça, houvesse um filme, do que poderia estar a nossa frente.... os mais idosos, demonstravam fé e confiança, e nós as crianças, detinhamos no futuro, como querendo visualizar que ainda veríamos dias melhores...e que construiriamos com nossas próprias mãos o que de bom nos esperasse.


    Sentado no banco, quieto,olhos semi cerrados, pude perceber na face dos meus pais - a preocupação e o medo de que nossa viagem, não pudesse ter o fim a que esperavamos... 


    Pensei nesse momento: Estaríamos indo para o fim, ou para o futuro, e um novo começo?


    Foi quando minha mãe, sussurou: Estamos indo para a esperança, a felicidade, e uma nova vida! Diante daquelas palavras me encostei ainda mais no seu peito,a me aconchegar do frio, dar rajadas de vento...e dos infortúnios aos quais me passavam pela cabeça, foi quando ela completou: Tudo vai dar certo. Pode confiar!


   Depois disso - adormeci, confiante, pois sabia que ela, minha mãe, jamais mentiria para mim... ou melhor: Ela nunca mentiu pra ninguém....muito menos mentiria hoje!


   Meu avô, abrira um livro, e mostrou uma carta de um parente seu que vivia há alguns anos em Novo Hamburgo. Era uma fotografia já amarelada, mas que mostrava pessoas felizes, em frente a uma casa simples de campo, porém espaçosa, e com a presença de flores ao redor.


   Vi os rostos de minha avó, minha tia e mina mãe, sorrirem naquele momento.


    Já estávamos distante de nossa cidade, segundo os mais velhos, e houve a primeira parada numa estação... aproximadamente depois de umas 3 horas de viagem paramos.


   Pediram que não saíssemos do vagão, que era para não perdermos os assentos, e não correr o risco de sair a locomotiva faltando alguém. 


   Eu quis ir ao banheiro, e meu pai disse vem por aqui... Levou-me ao final do vagão, me apontando uma porta estreita. 


   As janelas estavam quebradas, e olhei do lado de fora.


   Vi inúmeros soldados gesticulando com os funcionários da linha férrea.. e pedindo documentos dos passageiros, certamente isso iria atrasar um pouco a viagem, mas nada poderia ser feito, era preciso manter as aparências de que estávamos calmos.


   Todos tinham que demonstrar respeito, e cumprir as ordens estabelecidas pelo novo regime.


   Depois, quando saí do wc, percebi a presença de soldados nos vagões, revistando as malas de mão... olhando os conteúdos debaixo dos bancos, e pedindo para ver dentro das botas de todos... ia obedecer quando meu pai me puxou, mandando que me dirigisse a minha poltrona ao lado de minha mãe. Enquanto ele e os outros homens tiravam suas botas.


  Minha tia Rosa, era muito menina, e desvia o olhar dos guardas, mas vimos que um a puxou para fora do vagão, foi quando houve uma ameaça de reboliço, mas alguém pediu que mantivéssemos a calma, se não a viagem acabaria por ali.


  Ela foi puxada para o lado de fora da máquina, e teve que entrar num casebre a beira da linha com mais dois soldados... com divisas no ombro.. isso demorou uns quinze minutos... enquanto os demais soldados saqueavam os bolsos dos passageiros... depois disso percebi a demora no maquinista em querer sair do local , dizendo que a lenha esfriara, e que seria preciso aguardar a máquina voltar a funcionar... foi quando percebemos que soltaram a minha tia, rindo os dois miseráveis, enquanto , ela vinha com os cabelos desarrumados, e os olhos vermelhos, com parte de suas roupas rasgadas! Miseráveis homens do inferno. Gritaram algumas pessoas, enquanto minha avó a puxava para seu lado , e escondia seu rosto, acariciando-a...Não foi nada: Já passou!


   Algumas moças ofereceram outra saia... e a levaram até o toalet feminino... enquanto a máquina dava suas baforadas , e saía dali.


   Em outras épocas, nossos finais de semana, eram repletos de paz e de alegria.. tínhamos tudo o que desejávamos, e embora, não fóssemos ricos, nossa casa, era bem confortável, e meu avô tivera um hotel com 16 apartamentos muito bem decorado, pelas nossas mulheres exímias bordadeiras, elas enfeitavam cada cantinho dali, com suas toalhas e seus bordados...


   Havia na sala principal um piano de cauda, que era o local favorito de minha mãe... sempre ela nos alegrava com seus tons melodiosos e sonatas, belíssimas... a dança era uma prova de que estavamos felizes, e nesses encontros nos fartávamos de dançar, segundo as nossas tradições.

    


   O novo país, seria a nossa nova pátria(?!), e a ela deveríamos ter o mais profundo carinho, eram as palavras do meu avô... construíremos nossos sonhos novamente... e mostrava mais fotos de imigrantes já estabelecidos, em que diziam que o governo precisava de pessoas dispostas ao trabalho, e que a elas seriam distribuídas terras para plantarem e semearem...e que se o povo se unisse e viessem dispostos a trabalhar verdadeiramente, a terra os abraçaria como uma mãe, abraça ao filho que nasce!!!por essas palavras conseguimos sorrir, apesar do episódio sucedido... Iríamos sim, havia respondido meu avô, aos seus, chegaríamos somente com o nosso labor, e construiriámos uma nova sociedade fiel, organizada e disposta a colaborar com o povo daí, desde que nos acolham, com nossos filhos, mulheres, histórias e com o nosso reconhecimento a quem nos esticava a mão... encontrariam novos parceiros, e amigos fiéis.

   Numa desses fotos, apareciam um casal bem novinhos, que se chamavam Edith e Frederico.... chegaram alguns anos antes, recém casados, e logo se adaptaram por aqui... eles nos incentivavam a virmos, há bem tempos antes... mas só agora que realmente eles (os mais velhos e sábios) se propuseram a irem embora da Alemanha...ainda que, de certa forma com lágrimas nos olhos, mas esperanças no peito... e a alma ciente das lutas... dos dias difíceis, e do labor que teriam pela frente... mas mesmo assim com esperança num novo porvir!


   No rádio do trem , novas notícias impacientavam a todos: diziam que novos ataques estavam acontecendo em cidades próximas a nossa, com a queda do regime local, e uma nova aliança, realizada com tropas do novo Governo...e, que pessoas que resistiam estavam sendo mortas  bem dentro de suas casas, ou de seus locais de trabalho... escolas haviam sido incendiadas com crianças estudando, e as Sinagogas, foram derrubadas, ficando proibido o culto, de outra religião que não fosse a dos ocupadores austríacos...


   Apertei a mão de meu pai...e ouvi dele a recomendação que orassemos o Salmo numero 23, o que nos colocamos com o pensamento voltado diretamente para os trechos do Velho Testamento -



Liturgia judaica

Salmo de Davi. O Eterno é meu pastor e nada me faltará. Far-me-á repousar em pastos verdejantes e me conduzirá por um lugar de plácidas águas. Minha alma será restaurada; guiar-me-á nas veredas da justiça por amor de Seu Nome. Se tiver que seguir pelo sombrio vale da morte, não recearei nenhum mal, porque Tu estarás comigo. Teu apoio depois do Teu castigo ser-me-ão por consolo. Diante de mim preparará uma mesa de delícias na frente dos meus inimigos. Ungiste com óleo de unção a minha cabeça e o meu cálice transborda de fartura. Unicamente a felicidade e a misericórdia me seguirão durante a minha vida. E o meu habitar será por longos dias na mansão do Eterno.





     Mas não se podia pensar que tudo nessa nova terra , seriam flores.... O Brasil - que fora a terra para onde viemos, passava por momentos de transformações também, e o Governo de um certo senhor chamado Getúlio Vargas - impusera normas para os imigrantes - 




E em 03 de Setembro de 1939 - Foi defragada a Primeira Guerra Mundial , França e Inglaterra decretaram guerra à Alemanha.

Imagens que encantam:


1- Locomotiva - era o primeiro brinquedo que todo menino ganhava de seus pais, logo que estes tinham condições de presentear.




2- Casarões - Quantas crianças que naquele tempo tiveram a perda de seus pais, e foram destruídos seus lares, agora contavam com a piedade de outras pessoas, quando em vez.



3- O imaginário voa livre - o passado aflora, e imagens passam a povoar os hemisférios quando deixamos que histórias povoem nossa mente.


4- os automóveis eram o que de máximo poderiam sonhar os meninos - 


5- As bonecas também deveriam povoar os sonhos daquelas alemãezinhas lindas.




  6- E era preciso navegar ... viver era preciso acima de todas as coisas.. . com um pé no futuro , e a cada dia acreditando que dias melhores ainda estariam por vir...   




                                                 Até a próxima postagem. Até amanhã.

Referências:

.http://pt.wikipedia.org/wiki/Salmo_23

http://papermau.blogspot.com.br/2012/06/redneck-motorhome-by-papermau-download.html

http://brincandodebonecas.blogspot.com.br/2008/03/bonecas-alems.html


       
                                                  Sua visita me deixa muito feliz!         
     
     

5 comentários:


  1. ★⋰˚ Quem quer sair de uma história, cala-se e vai embora.
    Porque as grandes dores são mudas.
    E decisões definitivas não se demoram em explicações.

    Marla de Queiroz

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  2. Alicinha, querida e escritora!

    Parabéns pelas postagens, sempre criativas.
    A critica foi num e-mail...

    bjs e lembre-se: qualidade é melhor que quantidade!

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    Respostas

    1. Blogueiro Joka... De Dios mio...

      Estas postagens saem , ou melhor fluem como lembranças - como se eu estivesse perto daquelas pessoas amadas....

      Sei que pra ti tudo pode soar como misticismo....
      De fato: Também o é!! de certa forma!

      Mas fico honrada por atentares para o lado da criação e narrativa.

      Obgduuu tbm pelas críticas oportunas e necessárias...

      Como dizia Pessoa:

      Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena...bjusss..

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  3. Interessante contar parte da história da imigração Alemã e, do sofrimento que este povo passou no Brasil. Mas outros povos passaram sofrimentos no Brasil, como a do povo japonês que vieram ao Brasil acreditando na promessas do governo brasileiro e, trabalharam como quase escravos na lavoura. Meus pais chegaram e viraram agricultores na região de Curitiba, mas já em melhores condições pois trabalhavam para o próprio sustento. Existia muitas provocações na escola (hoje considerado booling), não gostava dessa forma de tratamento que durou até eu me formar no antigo ginásio. Mas os imigrantes que vieram antes, sofreram os mesmos problemas que os Alemães tiveram.
    Você descreve muito bem o sofrimento dessa gente que ajudaram na construção do Brasil de hoje e, ainda ajudam, pois grandes empresas de hoje foram fundadas por estes imigrantes e seus descendentes.
    Beijos, minha amada!!!!

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  4. O castelo que está atrás da minha foto fica na Bavária, próximo a cidade de Munique (Münchem). O Castelo que inspirou Disney.
    beijos.

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Obrigada pela presença, caso queira deixe seu comentário.

Até a próxima postagem! ABRAÇOS FRATERNOS ...

A vida segue seu fluxo ... Nada muda sem que você não permita!

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